Autora do poema “Raízes”, apresentado em “Raízes portuárias”, a escritora Madô Martins enviou ao Porto Literário o poema inédito “À deriva”, que fará parte de “Outras marés”, livro ainda em escritura.
Agradeço publicamente a autora pelo envio do texto inédito, publicado em primeira mão pelo Porto Literário:
À deriva
Aceito a vida
com ironia:
não sei em que balcão
a pedi para viagem.
Rolo os dias
como vento conchífero
e à tona
ficam as lembranças,
mercadoria barata,
quebradiça, desbotável.
Ainda sonho, é verdade:
paisagem alheia
vista desde a escotilha.
O mapa
se refaz a cada dia,
a névoa ocultando
ilhas onde brota
a flor do medo.
A rosa dos ventos
fere com seus espinhos.
Manso vagar é só vagar
por desvios de bancos de areia.
Nenhum canto de sereia,
boto rosa ou olho de jacaré
para me exorcizar.
E atrás da última onda,
o cais,
em pleno deserto.
A autoraMadô Martins é jornalista e escritora com 11 livros publicados. É cronista do jornal A Tribuna desde 2000, em coluna publicada aos domingos no caderno Galeria. Realiza palestras e oficinas literárias. Premiada em prosa e verso em concursos nacionais e internacionais. Fã de gatos, cães, pássaros e plantas. Seu livro mais recente é “Perdas e Danos”, publicado agora em 2012 pelas Edições Caiçaras.
É dele o poema “Casal”, em que o tema do mar também está presente:
Casal
Homem do campo
Mulher do mar
Ele traz
ramos de trigo
o canto da cigarra
duas frutas
Ela
conchas rosadas
o som das ondas
areia de ampulheta
Quando se beijam
cessam os gafanhotos
somem as manchas de óleo
a brisa sopra folhas e espantalhos
a maré embala peixes e barcos
Homem do campo
Mulher do mar
A gerar vales e rios
lagos e pomares
pela vida
para além da vida
Madô Martins. Perdas e danos. São Vicente: Edições Caiçaras, 2012.