Quarta, 17 Abril 2024

escrito por André de Seixas, editor do site dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro

Estamos cobrando do órgão regulador brasileiro as outorgas de autorizações de 22 armadoras estrangeiras que exploram a nossa navegação de longo curso no País. São empresas especializadas em cargas em contêineres e que fazem o atendimento à massa de exportadores e importadores. A motivação para cobrarmos as autorizações da ANTAQ surgiu diante de uma resposta dada pela Ouvidoria da Agência no caso das sucessivas e programadas omissões de portos (cancelamentos de escalas) que ocorreram mai de 260 vezes de janeiro a setembro do ano passado.

Basicamente, a Ouvidoria afirmou que, de acordo com o Art. 5° da Lei 9.432/77, a nossa navegação de longo curso é aberta a todos os armadores do mundo e que, por conta disso, eles poderiam fazer o quem bem entendessem. É óbvio que não concordamos com essa afirmação da Agência Reguladora e começamos a estudar a fundo a relação dessas armadoras estrangeiras com o nosso país. O primeiro passo foi buscar as outorgas de autorizações e, para nossa surpresa, nada foi encontrado. Depois buscamos acordos bilaterais e convenções internacionais para verificar se em algum deles existia algo que isentasse empresas de navegação estrangeiras de autorizações para operar na nossa navegação de longo curso. Nada encontramos também. 

Foto: http://shipssantos.blogspot.com

Regulação do setor aparenta fragilidade e falta de transparência

Aqui cabe uma observação, pois estamos notando que a ANTAQ interpreta muito a Lei, porém, pouco cumpre e pouco faz com que as cumpram, principalmente, quando o assunto envolve os direitos dos usuários. Isso é nítido e o quadro caótico de falta de regulação e fiscalização do setor é a prova cabal do que estamos afirmando. Temos buscado dialogar com a ANTAQ sobre as autorizações e estamos notando que alguns servidores da Agência interpretam a Lei 9.432/77 como competente para isentar empresas de navegação estrangeiras das autorizações, por afirmar que ela é aberta às empresas internacionais. Essa interpretação agride escancaradamente o Art. 21, Inciso XII, alínea “d” na nossa Constituição, que é soberana. Cumprir o que determina a Constituição jamais dificultaria as atividades dessas empresas no Brasil. Já a ANTAQ, pelo que temos ouvido de alguns servidores, deve pensar que a Constituição atrapalha o cumprimento e a sua interpretação da Lei 9.432/77 e, talvez, por isso, inverta a hierarquia das normas e ignore a Lei 10.233/2001.

Entendemos que as autorizações sejam o ponto inicial para que se possa pensar em regular e fiscalizar as atividades de empresas de navegação estrangeiras no Brasil. Além disso, precisamos saber quem são essas empresas, seus sócios ou acionistas, onde estão situadas e como cobraremos delas eventuais prejuízos, inclusive os ambientais na eventualidade de um acidente de grandes proporções, do qual ninguém está livre. 

Uma história real
Uma determinada organização prestou serviços para um determinado armador estrangeiro. Esse armador estrangeiro não pagou pelos serviços e a organização decidiu ajuizar ação de cobrança. O armador foi citado na pessoa do seu agente marítimo, que carrega o mesmo nome e a mesma marca dessa empresa de navegação. A organização obteve êxito no processo. Até aí tudo bem.

O problema começou no momento de executar a sentença. Primeiro tentou receber do Agente que tem o mesmo nome do armador. Sem sucesso, pois o agente alegou que não era a armadora e que atuava como mero mandatário. Então, a organização tentou negativar o nome do armador. Não conseguiu, pois ele não tinha CNPJ no Brasil. Assim como nós, a organização tentou buscar informações sobre essa empresa junto a ANTAQ e o nosso órgão regulador só conhecia essa empresa de nome, pois nenhum registro de documentos tinha na Agência. Isso é óbvio, pois sem as outorgas de autorização, jamais seria possível saber isso. 

Como última tentativa de receber pelos seus serviços, essa organização decidiu arrestar o navio desse armador estrangeiro e assim foi feito e aceito pela justiça. O navio chegou e o oficial de justiça foi a bordo para comunicar o arresto ao comandante. O comandante, que usava farda e quepe da armadora, pediu um minutinho, foi até a cabine e pegou os documentos do navio. 

Nos documentos do navio constavam que a famosa armadora, que figura entre as maiores do mundo, não era a proprietária do navio e que apenas fazia a gestão comercial. A proprietária do navio era uma empresa Grega, da qual nunca se ouviu falar. O Comandante afirmou que a empresa grega prestava serviços ao armador e que este fazia a parte de venda de fretes do navio (gestão comercial) e que tudo que se referia ao navio era com a empresa Grega, mesmo estando o navio todo marcado com a logomarca do armador e tendo nome desse armador. 

O Oficial de justiça olhou a documentação, desceu de bordo e foi embora com um mandado negativo. Até hoje, passados mais de dois anos, essa organização não conseguiu receber o dinheiro pelos serviços que prestou. 

Essa história é real e exemplifica quantos riscos o país corre pelo fato dessas empresas estrangeiras de navegação não estarem autorizadas a operar aqui, conforme determina a Lei. Este exemplo poderia ser aplicado a um enorme acidente ambiental, ou a cobranças de direitos dos usuários. A verdade é que nós não conhecemos como essas empresas trabalham, quais as garantias que oferecem, onde estão e quem são seus sócios, ou acionistas. Será que uma empresa Grega, ou Filipina, por exemplo, poderia fazer frente a prejuízos milionários? Será que teriam capacidade financeira ou garantias capazes de cobrir um dano ambiental de grandes proporções? Será que encontraríamos os proprietários dessas empresas? 

Enfim, mais uma vez, afirmamos que o legislador buscou nos proteger dos  riscos e defender os interesses do país e das empresas usuárias, porém a nossa Agência Reguladora parece fazer questão de colocar nossas garantias e guardá-las no fundo da gaveta das eternas pendências. Assim é com as autorizações, com THC e com os portos. Os interesses dos usuários ficam sempre em segundo plano. 

Para reflexão: É complexo controlar empresas estrangeiras de navegação, principalmente a forma com a qual se organizam e dispõem das suas frotas de navios em outras bandeiras e por afretamentos. Dá muito trabalho e é necessário pessoal muito qualificado para tal. 

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