Sexta, 29 Março 2024

Dizem os antigos árabes que os cães ladram enquanto a caravana passa. Os cães ladram porque é o que sabem fazer, quando algo incomum acontece em seu território. A caravana passa porque é de sua natureza seguir em frente. Em termos de logística, o Brasil da Copa do Mundo perdeu vinte pontos na classificação do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird, instituição integrante do Banco Mundial), caindo da 45ª para a 65ª posição, a pior desde que esse indicativo foi lançado em 2007.

Outros indicadores globais já mostravam como as coisas estavam mal: em 2012, o Fórum Econômico Mundial avaliava que num total de 144 países, o Brasil estava em 134º lugar em termos de aeroportos (15º/África do Sul, 68º/Índia, 70º/China); 135º lugar em portos (52º/África do Sul, 93º/Rússia), 100º em ferrovias (22º/China, 27º/Índia, 30º/Rússia), 123º em rodovias, a menina dos olhos do governo brasileiro, agora cada vez mais cega (42º/África do Sul, 54º/China).

Ladrarão os de sempre: ah, mas o Brasil está crescendo muito, duplicando suas capacidades... Vamos lá: o que significa isso? Talvez em 10 anos o Porto de Santos duplique sua movimentação de cargas, se o caos nas estradas deixar. Terá passado então de 2,99 milhões de TEUs para uns 6 milhões. Esse monstruoso crescimento não faz nem cosquinha no Porto de Rotterdam, na Holanda, que movimenta uns 12 milhões de TEU/ano. E nem isso é grande coisa: Cingapura (campeã em eficiência logística pela classificação do Bird) anda pelos 30 milhões, Shanghai pelos 32 milhões, e mais sete portos orientais têm marcas maiores que o célebre porto holandês.

Imagem: Relatório CNI

Conclusão: é inviável ampliar a produção no Brasil...

Sinto dizer, mas isso vai piorar, porque nada de prático está sendo feito para reverter esse quadro, e a caravana vai seguir em frente, enquanto empresários e autoridades nacionais desperdiçarão saliva tentando explicar sua inação. Inação que faz parte de sua própria natureza, como faz parte da natureza dos cães ladrar e da caravana passar.

Acompanhei todo o ciclo da crise econômica inicial iniciada justamente em 2007, e alertava que o Brasil estava posicionado para atrair todos os investimentos importantes, já que era inviável aplicar capitais nos EUA e na Europa. O governo sabia disso, tanto que em janeiro de 2007 o PAC da Logística. Que de Logística tinha quase nada: dos 20 maiores projetos do PAC, apenas dois podiam ser efetivamente classificados como tal em 2010.

Dezoito meses depois, a então ministra-chefe da Casa Civil, e agora presidente, Dilma Roussef, tentava explicar que só 15,1% das obras previstas estavam concluídas. Significativamente, ela teve que responder: "Qualquer tentativa de dizer que o PAC não existe ou que está empacado falta com a verdade, é um absurdo". Pois é...

O Brasil perdeu essa oportunidade, não sei se mais por incompetência ou corrupção. Arrisco dizer que foi por incompetência, porque até para ser corrupto é preciso saber o que fazer, e não souberam. O setor de obras de infraestrutura é um dos mais corruptos do mundo, e isso não impediu que em outros países as obras ocorressem.

Imagem: Relatório CNI

E qual a razão disso? Sobra dinheiro, mas faltam condições para que os investimentos ocorram

Agora, o Brasil perde – e de goleada – a oportunidade da Copa do Mundo. Autoridades mais espertas teriam negociado pacotes de obras que garantissem a mobilidade – vias e equipamentos de transporte, tanto de cargas como de passageiros, já planejados para o uso pós-Copa.

Mas, quando ela acabar, restarão imensas "arenas" ("estádios" com nome repaginado como estratégia comercial), economicamente inviáveis, degradando o entorno e ainda tendo custo para serem demolidas. E talvez alguns aeroportos com tendas de lona (sei, no Canadá e na Inglaterra também fizeram isso, mas aqui a tradição é abandonar pela metade, depois dos holofotes da mídia se apagarem). A logística brasileira já deu seu jeitinho: feriados nas cidades-sede dos jogos, para que os turistas possam chegar aos estádios (perdão, arenas) sem tanto trânsito. E daí que a economia seja prejudicada? Sei...

O Brasil nem pode crescer. Cresce um pouquinho só, começam os apagões de energia, começa o caos nas estradas, a infraestrutura entra em colapso. Ah, mas é a sexta/quinta economia do mundo. Depende de quem analisa, mas isto significa apenas que os brasileiros estão pagando caríssimo para que o país esteja assim bem posicionado. Pois é o suor dos trabalhadores que compensa os desperdícios todos causados pelo caos logístico. Prova? É só ver o quanto de impostos o brasileiro paga, e principalmente o nada que obtém de retorno desses impostos em saúde, educação, segurança... e transporte.

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