Quinta, 28 Março 2024

coronavirus 2* Doutor em Economia Política Internacional (PEPI – UFRJ). Artigo publicado, originalmente no site do Observatório Político dos Estados Unidos

A epidemia provocada pelo novo coronavírus avançou, gradualmente, para a maior parte dos países do mundo e suscitou reações nacionais distintas. A eficácia das políticas domésticas adotadas ainda se encontra em avaliação e em disputa, mas é possível observar que o debate se pautou, inicialmente, pelo suposto trade-off entre a crise econômica que virá pela quarentena horizontal – a recessão e suas consequências sociais dramáticas – e as mortes diretas provocadas pela epidemia na hipótese de adoção de medidas menos rigorosas. Nesse sentido, pressionado por setores do empresariado e por cálculos eleitorais, no começo desse quadro, o presidente Donald Trump defendeu o chamado isolamento vertical, isto é, limitado aos grupos mais vulneráveis, em especial os idosos, de modo a minorar o impacto econômico da crise.

Conforme a epidemia adquire contornos dramáticos nos Estados Unidos, a negação inicial de sua gravidade, as limitações do sistema de saúde americano e a necessidade de recorrer a suprimentos médicos chineses colocam em questão a liderança do país. Outro ponto do debate diz respeito à capacidade e à pertinência de as democracias imporem aos seus cidadãos o tipo de restrição e ação estatal demonstrada e propagandeada – em seus aspectos logísticos – pela China em Wuhan. O isolamento de Wuhan parece ter sido um movimento eficaz de contenção geográfica da epidemia por meio da repressão a todas as viagens e movimentação de pessoas, incluindo, para isso, o uso de sistemas on-line de rastreamento de indivíduos para implementar a quarentena. Simultaneamente, testes em massa e monitoramento de sintomas foram aplicados.

A retórica do presidente Donald Trump atribuiu a crise ao “vírus chinês”, dando sequência ao tensionamento que já ocorria no campo das disputas comerciais. A China foi capaz, no entanto, de reverter um quadro inicial adverso de aparente inação e ocultação das primeiras evidências da epidemia. Em um segundo estágio, conseguiu transmitir sua narrativa com base em contundente reação nacional e na liderança internacional assumida pelo fornecimento de equipamentos médicos que escasseiam e que são disputados no mundo. Nesse contexto, Trump se vale do poder americano para obter os insumos necessários. Para isso, utiliza métodos que incluem confisco de máscaras – o que vem sendo qualificado como uma forma moderna de pirataria – e barganha direta com fornecedores chineses, que então suspendem contratos prévios com outros países.

Trata-se de um quadro fluido que expõe a crueza do momento. Também realça a capacidade do Estado chinês de mobilizar e coordenar recursos, conforme o imperativo exigido pela circunstância, mediante a ação conjunta de empresas privadas e estatais. Essa ação traz em seu bojo o modelo de capitalismo chinês liderado pelo Estado,com seus avanços industriais e tecnológicos.

A crise mundial provocada pela pandemia é mais um episódio a lançar luz sobre a erosão da ordem internacional patrocinada pelos EUA e sobre a competição crescente com a China. Ao analisarmos a conjuntura atual, é marcante o contraste com os anos 1990, ápice do poder americano, quando prevalecia a imagem da superpotência benigna, garantidora de uma ordem alicerçada em instituições internacionais e associada à globalização econômica “diluidora” das fronteiras nacionais. Não é nosso propósito nesse espaço problematizar os aspectos dessa ordem, mas enfatizar que, de fato, os EUA exerciam na época o tipo de magnetismo que o cientista político americano Joseph Nye denominou Soft Power. Também é possível afirmar que sua liderança se dava por meio de um maior grau de consenso e, portanto, de menor recurso à força explícita, com uma hegemonia sem obstáculos de grande envergadura.

Guerras do Iraque com ponto de inflexão
A Guerra do Golfo (1990) contou com apoio das Nações Unidas mediante aprovação pelo Conselho de Segurança. Após os atentados do 11 de Setembro, a Guerra do Iraque (2003) foi, ao contrário, norteada pelo unilateralismo em claro enfrentamento à posição da “comunidade internacional”. Naquele momento, ganhava força o pensamento neoconservador, seu ataque às instituições internacionais e a legitimação do unilateralismo na política externa dos Estados Unidos.

É fundamental ressaltarmos que o neoconservadorismo mesclou a autoimagem dos Estados Unidos baseada em seu “excepcionalismo” à defesa do unilateralismo, conformando um impulso imperial, segundo o qual os Estados Unidos deveriam “moldar o mundo à sua própria imagem”. A democracia liberal podia ser promovida pela força quando necessário. Esse elemento está de todo ausente da política orientada pelo “American First” de Donald Trump. Agora, os EUA se reservam o direito de defender unilateralmente seus interesses, explicitam políticas econômicas de cunho neomercantilista e atacam os organismos Internacionais, mas não o fazem com tintas idealistas.

O período unipolar que destacamos acima pode ser interpretado, em suas linhas gerais, como um momento atípico do sistema internacional, em que a competição entre as grandes potências se desloca para o segundo plano. Do ângulo dos formuladores da política externa dos Estados Unidos, como propõe Williams Gonçalves, o terrorismo internacional não cumpriu o papel aglutinador e organizador como inimigo estratégico. Sob esse prisma, não restam dúvidas de que a ascensão da China recoloca o sistema em sua dinâmica mais fundamental orientada pelas disputas interestatais.

Nesse sentido, de nosso ponto de vista, a pandemia em curso não reforçará consenso em torno de mecanismos de governança global demandados por desafios transnacionais, mas, em linha com o proposto por Richard Haas, deverá acelerar aspectos já anunciados: notadamente, o declínio da liderança americana, a redução da cooperação internacional e a escalada das disputas entre grandes potências.

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