Quinta, 25 Abril 2024

Muito se lê sobre os problemas relacionados aos gargalos logísticos no Brasil. Mas além deste fenômeno que impede o País a alçar voos maiores, venho refletindo sobre outro tipo de entrave que castiga diariamente as empresas: o "gargalo burocrático".

Todo cidadão brasileiro necessita cumprir as mais diversas obrigações junto à administração pública, seja para abrir uma empresa (ou para fechar, o que é mais traumático), dificuldades e custos existentes para solicitar documentos, para requerer atendimentos (muito se configura com um favor, e não como um direito do cidadão e dever do administrador público), morosidade no retorno de nossas indagações, tendo até mesmo que dizer que pagamos impostos (que não são poucos). E "ai de você" se pagar o imposto e não avisar que pagou - a isso se dá o nome de obrigação acessória.

porto sol navios

Em benefício daqueles que eventualmente não possuem a dimensão deste tal "gargalo burocrático", me faço valer de um instigante artigo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), com origem em 2017, apresentando dados referentes às burocracias tributárias.

Feita uma rasa introdução, vamos ao caso concreto: selecionamos nesta oportunidade, para rápida análise, uma (mais uma) obrigação que nasceu complexa. Tão estranho seu cumprimento que foram necessárias 12 edições de manuais que convertessem a obrigação à imagem e semelhança dos homens. Tão esquisita que a nomeamos pelo seu sistema. Sim, seu sistema: a chamamos de Siscoserv. Importante: Siscoserv não é a obrigação, mas sim o meio pelo qual a obrigação deve ser cumprida. Siscoserv, portanto, é o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio.

Achastes complexo, como indagaria um bom amigo catarinense? Então optemos pelo texto que instituiu a obrigação, tão distante do mundo real que precisou de 55 palavras e 418 caracteres para a definir: Art. 25. É instituída a obrigação de prestar informações para fins econômico-comerciais ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados. (Art. 25 da Lei 12.546/2011).

Vamos facilitar? Assim, tudo aquilo que você negocia com o exterior, que não seja possível "apalpar", você deve informar ao governo. Mas fácil não? (os especialistas poderão esbravejar com o autor pelo uso de uma definição tão simplória, pois a maioria adora complicar ainda mais o tema, se é que isso é possível). Bem verdade que existem algumas exceções a este chicote público, algumas dispensas, como por exemplo as empresas do simples nacional. Uai!!, exclamaria uma amiga mineira, indagando ainda na sequência: "mas não é estatístico? Empresas do simples não geram estatísticas, fio?". Muito esquisito esse tal Siscoserv...

Bem, a justificativa para criação de tal obrigação eram os sequentes déficits da conta de serviços na balança de pagamentos, ou seja, compramos (importamos) mais serviços do que vendemos (exportamos). Assim, ao invés do governo estabelecer agenda de diálogos com associações brasileiras, com exportadores e importadores de serviços, optou pela fantástica ideia de instituir mais uma obrigação para a sociedade brasileira, para que nós informemos ao governo nossos dados, o que fazemos, para quem e quanto, para que com os dados nossos representantes possam instituir políticas públicas de fomento ao setor de serviços para nós mesmos. Estranhíssimo esse tal Siscoserv...

Sem adentrarmos de forma mais profunda na análise da justificativa da criação do chamado Siscoserv, não é tarefa complexa ao atento leitor perceber que a obrigação possui natureza estatística, tanto que o chamado "sujeito ativo" (alguns diriam "titular do direito") da obrigação é justamente o Ministério encarregado de formular políticas, o então chamado Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio Exterior e de Serviços (MDIC). 

Acontece que o tema desvirtuou-se. Sim, a Receita Federal do Brasil viu a oportunidade de mexer na cumbuca e tirar seus tostões dessa complexidade. Quis (ou quer) ela chamar "o Siscoserv de seu" e para isso ela precisava dar uma "tributarizada" no Siscoserv. Precisava caracterizá-lo como obrigação acessória, o que acabou acontecendo (o atento leitor já compreendendo porque as chamadas "empresas do Simples não interessam à obrigação, e mais: aqueles que possuem proximidade com o direito tributário já compreenderam os efeitos do artigo 57 da MP 2158-35/01).

Bah!, me caiu os butiá do bolso, diria um querido amigo gaúcho, já de vereda compreendendo que ao entender o Siscoserv como obrigação acessória oportunizou-se o Fisco e prever multas desproporcionais a nossa galáxia. Uma obrigação que preciso cumprir a “A”, que é o sujeito ativo, para que este formule política para mim e se não cumprir ou cumprir de forma errada, “B” vem e me multa.

Mas pensemos um pouco: para ser acessória presume-se que haja uma obrigação principal anterior, não é mesmo? Assim sendo, qual seria a obrigação principal do chamado Siscoserv? Seria a própria comercialização de serviço entre nacionais e estrangeiros? Se sim, esta seria obrigação ou uma ação típica da livre iniciativa do mercado? Ou a obrigação principal do Siscoserv seria o pagamento dos impostos incidentes sobre serviços? Se optar em defender esta hipótese, é preciso voltar à reflexão sobre competência, finalidade e propósito da obrigação. Siscoserv não é obrigação acessória, é simplesmente obrigação. É preciso destributarizar o Siscoserv.

Mas vamos lá, quem sabe essa obrigação cumpra sua finalidade e o setor de serviços prospere e que nossa conta na balança de pagamentos possa ser superavitária, não é mesmo?

Acessando este link com as séries históricas – BPM6 – anuais, temos o seguinte cenário: não sendo este autor um especialista em análise de indicadores econômicos, tenciono a entender que não houve nenhum desvio mais agudo que possa justificar o custo da burocracia criada desde que a obrigação foi instituída.

Qual seria sua análise? A resposta a esta indagação poderá subsidiar fundamentos para defendermos ou não o atingimento da finalidade da obrigação. Aliás, vamos aproveitar o gancho para refletir a obrigação em dois fundamentais aspectos:

1. Finalidade: passados sete anos de sua instituição, aconteceram importantes alterações na conta de serviços na balança de pagamentos?

2. Propósito: devo prestar informações para quem e sobre o quê? Para o Ministério, por fins estatísticos, ou para a Receita Federal, a fins "acessórios"? O que está em jogo? Dados e políticas ou fiscalização dos impostos que incidem sobre o setor?

Pensando sobre estas e outras questões a respeito do Siscoserv fico inclinado a entender uma certa "perda de objeto". Sim, pois se a finalidade não é atingida e o propósito está desvirtuado, a obrigação não é outra coisa senão mera contributa para o gargalo burocrático nacional. É algo, estéril, que leva nada a lugar nenhum. Dessa forma, temos de um lado, o custo da administração pública em legislar, em ficar respondendo às centenas de consultas feitas pelos contribuintes e, principalmente, fiscalizar e de outro o custo para a viniciativa privada que calhará em ser assumido pela sociedade.

Resultado? Em vez de estarmos todos olhando para desenvolvimento, geração de riquezas e combate à desigualdade social, ficamos todos (administração pública. iniciativa privada e cidadão) em um ciclo vicioso de obrigações e custos. Nada se faz, tudo se cobra.

O Siscoserv, coitado, não é o responsável único por todo caos burocrático nacional. Me parece ser um contributo que utilizei como exemplo para defender a posição de pararmos um pouco de fazer, para pensarmos sobre o que estávamos fazendo e para quem. Desta reflexão feita em casa, nas empresas e nos ambientes acadêmicos possamos começar a levantar a mão, a não aceitar, a questionar. Os poetas adoram utilizar a expressão "espantar-se" com o cotidiano. Pois então que possamos nos espantar com tudo que nos é imposto. É este espanto que nos leva a enxergar o todo.

Portanto, ou as obrigações respeitem suas finalidades e cumpram seus propósitos em benefício da sociedade ou que sejam extintas!

Entendo, caros amigos, que o Brasil só não caiu no abismo de forma mais catastrófica nos últimos cinco anos porque a maioria avassaladora dos brasileiros são como eu e como você, que levantamos cedo todos os dias, que trabalhamos e pagamos nossos impostos, que fazemos a economia girar. Então, caros legisladores, tudo em prol da sociedade. Assim, antes de implementar qualquer nova obrigação, pensem sobre isso. O brasileiro não suporta e não quer mais obrigações, queremos soluções e para ontem. Mais ações, menos obrigações! Mais diálogo e menos autos de infrações!

Sobre o Siscoserv, não sei você estimado leitor, mas eu voto pela extinção. Opção intermediária? Pode ser, afinal estamos defendendo o diálogo,  não é mesmo? Qual poderia ser uma proposta intermediária? Que seja episódica! Sim, temporal, ou seja, seleciona-se os principais serviços que o Governo Federal tenha interesse ou identifique a necessidade de fomentar. Identifica-se os principais atores, aqueles que mais fomentam ou teriam possibilidade de fomentar (top 100, 1000, 5000), por exemplo, e que se estabeleça diálogo destes autores ou mesmo representado por suas associações. Findo período e ações, mira-se para outros serviços, outros atores, novos diálogos.

Justificativa para que a obrigação seja episódica? 500 anos antes de Cristo o filosofo pré-socrático Heráclito já anunciava que "o mundo é eterna mudança". Imagine se o pensador estivesse atualmente em nosso meio? Os números e cenários econômicos de ontem podem já não representar os de hoje.

heraclito pensador

Seja como for caro(a) amigo(a), se estas breves linhas lhe fizeram ao menos refletir sobre o Siscoserv (coitado, levou a culpa), mas em especial, sobre nosso Direito e nosso dever como cidadão, tenho como cumprido o propósito.

Sempre em frente!

Alexandro Alves Ferreira é mestrando em Educação, especialista em Direito, Logística e Negócios Internacionais, especialista em Direito Tributário. Despachante Aduaneiro. Contato: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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