Segunda, 18 Março 2024

Magano* Engenheiro, MSc em engenharia e consultor portuário.

Fui trabalhar na Companhia Docas de Santos (CDS) em 79/80 num momento muito especial, no fim do período de concessão. Nesse momento o que chamou minha atenção foi o ambiente da empresa, tinha sofrido a intervenção do governo militar tanto na gestão operacional, como na estratégica e os recursos de investimento eram originados em sobretaxa tarifária transferida diretamente ao governo federal que comandou os investimentos e as operações na década de 70. O que restava era lutar por aumentos tarifários de caráter político. O destaque é que em 64 houve denúncia de que a direção da empresa fazia acordos promovendo em conjunto com os sindicatos greves, porque o reajuste dos trabalhadores apoiava o aumento tarifário e isso acabou justificando a intervenção federal. O contrato da CDS remunerava a empresa pelo valor investido em percentual que era somado aos gastos da empresa e balanceado com o valor arrecadado, a empresa não tinha risco, ganhava sempre e procurava investir o máximo. Isso justificou a criação de um setor de manutenção que não terceirizava nada e empregava cerca de 6.000 profissionais.

Cenário muito diferente do que se verificou em 1892 na assinatura do contrato de concessão, onde havia risco e projetos transformadores como o de Itatinga, a primeira Usina Hidroelétrica que se aproveitou do desnível de 700m da Serra do Mar para gerar energia. A própria história da Usina de Cubatão/Light teve Itatinga como inspiração e o primeiro pedido de concessão foi feito pelo grupo Guinle. Com certeza um momento de inspiração para engenharia brasileira capitaneada por Wenchenck e Brás Cubas.

Instiga a curiosidade investigar como um empreendimento com tanta criatividade e força de realização se transformou numa organização que se vangloriava de realizações passadas, mas foi incapaz de atender o simples aumento da demanda por serviços quando do “milagre brasileiro”, aproveitando-se da situação para aumentar suas margens e esquecendo das suas obrigações sociais.

Durante o período da concessão da CDS tivemos uma divisão de funções, as questões operacionais foram sempre comandadas em Santos, enquanto as decisões de caráter estratégico, como investimentos, foram decididas no Rio de Janeiro, sede da CDS e do governo central, distinguindo-se enormemente do modelo europeu onde a cidade estado sede do Porto teve sempre poder de planejamento e controle. No Brasil do império de caráter absolutista e na república antes de 64 a Vila de Santos, pouca influência teve no desenho do Porto de Santos.

Na década de 70 a montagem de estatais na forma de sociedade anônima mudou a forma de gestão no Brasil, a estatal tinha liberdade de contratar e definir seu caminho estratégico e era um caminho para a desburocratização de um processo complicado na gestão das autarquias governamentais. Por isso em 1980, a Companhia Docas do Estado de São Paulo, foi criada como sociedade por ações conforme a lei e no regime de funcionamento privado, com autonomia administrativa. A Codesp em 1980, através de decreto e sem contrato recebeu a autorização de operar o porto como sucessora da CDS, com todos seus ativos.

Esse foi talvez um dos melhores momentos de gestão do Porto de Santos dos últimos 50 anos. Coordenação e fundamentação técnica eram exercidas, entretanto, paulatinamente a medida da redemocratização a influência político partidária começou a crescer. Com a nova constituição (1988) e a necessidade de se criar um governo com maioria no congresso, o porto começou a receber na montagem de sua administração, vetores crescentemente políticos e regulamentos limitantes do poder administrativo, além do Adicional da Tarifa Portuário – ATP pela Lei n°7.700/88.

O fim da década de 80 caracterizou-se pela descontinuidade administrativa com mudança frequente de executivos do Porto e de muitos investimentos no sistema Portobras, com projetos de concepção duvidosa como o Projeto do Valongo-Paqueta, com um enorme investimento em obras civis e sem análise apropriada de operação e retorno.

Durante todo esse período a administração do Porto de Santos foi centralizada e os rumos estratégicos decididos inicialmente no Rio de Janeiro e depois em Brasília.

Os anos 90 iniciaram-se com a extinção do Geipot e da Portobrás e designação do Engenheiro Paulo Peltier para presidente da Codesp. Num só ato, o Engenheiro Peltier, no início de sua gestão, demitiu toda força de trabalho, revertendo posteriormente a decisão, mas indicando com clareza o momento de mudança de rumo. É dessa época o projeto de Lei de licitações e Contratações em Empresas Estatais, convertido na lei n°8.666/93 e o projeto Lei de desregulamentação Portuária-PL n° 8/91. Todos os atos de enorme impacto na administração Portuária que, do dia para noite, foi obrigada a mudar sua forma de gestão, sem o cuidado de preservar nem as informações ou a cultura, uma enorme revolução.

Em 1993 foi promulgada a Lei n°8630, podendo ser caracterizado como o primeiro ato decentralizador da administração portuária no Brasil, esse marco propunha, inspirado no modelo de funcionamento dos Portos da Bélgica e da França, a criação do Conselho de Autoridade Portuária-CAP, com funções deliberativas como a da homologação dos pedidos de aumento tarifário, o Órgão Gestor de mão de obra, o fim do monopólio da capatazia, com a possibilidade de arrendamentos de áreas de cais ao setor privado e autorizava os terminais de uso privativo a movimentar carga de terceiros.

A criação do CAP, com a participação de Prefeituras locais, empresários e trabalhadores, a possibilidade da administração da Codesp em celebrar contratos de arrendamentos para operação direta da iniciativa privada, foi o primeiro esforço Brasileiro no sentido da descentralização administrativa e resultou no maior número de arrendamentos da história, com investimentos e aumentos de movimentação sem precedentes na história brasileira.

Esses arrendamentos propiciaram a criação de empresas especializadas na prestação de serviços portuários, das quais muitas delas hoje são listadas em bolsa, esse é o caso da Rumo e da Santos Brasil que captam recursos inclusive no mercado internacional por aporte de capital e são investidoras tanto nos Portos como nas Ferrovias. História marcante se deu no caso da SPE – Cosan Operadora Logística onde atuei, incialmente tínhamos o terminal da Cosan, que veio a se fundir com o Teaçu e depois aumentar o capital com a inclusão de sócio investidor internacional, do que resultou significativo aumento do valor da empresa e um programa de modernização em conjunto com a ferrovia. Essas melhorias aumentaram a capacidade e a produtividade do sistema transformando o terminal em referência internacional e abrindo a possibilidade de transferência do controle acionário da então ALL para a nova Rumo. Com o controle acionário da ferrovia pelo grupo Cosan, foi feita nova captação de recursos no mercado e o grupo logrou êxito em conseguir a concessão da Ferrovia Norte/Sul e implantou projeto que se arrastava desde o governo Sarney colocando o sistema em operação. Os investidores internacionais do tipo fundo de pensão, desinteressados nas operações, têm procurado sócios brasileiros que permitam arbitrar um grau de risco aceitável para os seus investimentos e são a principal razão para que, nas atuais rodadas de leilões de outorgas do Minfra, não haja a participação direta de grupos internacionais mas dos tradicionais operadores que hoje têm acionistas internacionais, conforme explica o CEO da Santos Brasil Engo Antônio Carlos Sepúlveda (Valor Econômico – 3/05/20210). Outro aspecto importante, que resultou desses arrendamentos, é que as novas empresas contrataram pessoal capacitado em números muitas vezes superior ao que ocorria no tempo da Codesp operadora, incluído pessoal especializado em finanças internacionais e relações com os investidores, talentos inexistentes no sistema de cargos da estatal. O arranjo acionário privado com a inclusão das ações no mercado internacional obriga as chamadas boas práticas, a avalição dos investimentos e de seu retorno, tem procedimentos consolidados que vão permitir a avaliação das ações no mercado e a classificação do grau de risco elaborado por entidades independentes que avaliam a empresa e não o Brasil, tudo muito diferente do sistema de captação de adicionais tarifários sem procedimentos consolidados de avaliação e controle do investimento. O valor de uma ação é avaliado com a gestão e com o acerto da escolha do investimento, do sucesso da empresa em apresentar resultados e os executivos são muitas vezes remunerados pelo aumento de valor dessas ações, isso não é possível de ocorrer nos atuais modelos de gestão das Administradoras dos Portos.

A mudança do governo e a necessidade de coalizão política para se obter a maioria no congresso, a criação das agências de controle federal e o uso dos técnicos da Portobrás e Geipot no governo federal e nas agências, determinou movimento de re-centralização das decisões em Brasília. Paulatinamente, por força de decretos e regulamentos as decisões voltaram as ser tomadas no governo central. Em Santos e em todo Brasil, foram criadas poligonais reduzindo a abrangência administrativa das administrações portuárias e os investimentos analisados pela Antaq e TCU. Em 2013 foi promulgada a Lei n°12.815 que estabeleceu relação direta entre empreendedores interessados em explorar os serviços portuários e o governo central – os TUPs, que apresentam vantagens regulatórias estruturais significavas incluído a prática do direito privado, ainda que regulados pela Antaq, no mesmo estuário em relação aos arrendamentos dentro da área do Porto, do que resultou a existência de mais de 13 projetos de Portos dentro do estuário de Santos fora da poligonal Portuária e uma competição desequilibrada-regulatória entre TUP’s e arrendatários.

Hoje se fala na desestatização das Autoridades Portuárias, considerando que no processo político vivido até aqui a razão de empreender e os benefícios advindos do investimento deixaram de existir. O executivo do Administração Portuária para se estabilizar não tem que buscar a inovação ou a melhoria de gestão, veja o caso do projeto do VTMS iniciado em Santos e descontinuado após sua implantação, porque a administração que deveria assumir sua responsabilidade delegada, não viu sentido em se utilizar do investimento realizado. Só se apropriaria de riscos sem ganho político possível. Mas pior que enfrentar esse tipo de situação, a administração do Porto, teve que atender os desejos políticos de congressistas do norte do país que sequer tiveram conhecimento físico de Santos e do que resultou processos criminais em diferentes casos.

Em minha opinião o mais importante a ser resgatado nesse momento e independente de modelo é o espírito empreendedor com o qual o Porto se originou e que deixou de existir ao longo da história. Não podemos avalizar o modelo atual, esperamos por mudanças para o bem da sociedade, afinal o Porto é um potente criador de empregos e empregos precisamos desesperadamente, a única coisa que sabemos com certeza é que se não mudarmos teremos o mesmo resultado dos últimos anos.

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*Todo o conteúdo contido neste artigo é de responsabilidade de seu autor, não passa por filtros e não reflete necessariamente a posição editorial do Portogente.

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