Quinta, 25 Abril 2024

O Brasil não é para amadores e a Terra não é plana.

Além da demurrage de contêiner e do Serviço de Segregação e Entrega (SSE), ainda sem definição de preço máximo pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), e do THC ressarcimento sem comprovante do valor pago pelo armador ao terminal (tema que já vem sendo judicializado), prejudicando este (especialmente o não verticalizado), o usuário e a arrecadação tributária dos municípios brasileiros, persiste mais um problema para os usuários dos terminais que operam contêineres no comércio exterior e na cabotagem: a cobrança da inspeção invasiva de contêiner sem preço máximo.

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Imagem de Lynn Greyling por Pixabay

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É cristalino que a recente decisão da diretoria da Antaq sonega o direito do usuário ao serviço adequado (previsibilidade, transparência, modicidade e eficiência) previsto na Constituição Federal. Ao analisar denúncia da Confederação Nacional da Indústria (CNI) para declarar ilegal a problemática cobrança da inspeção não invasiva de contêiner, criada por Portaria da Receita Federal em 2011 e efetuada por terminais portuários sem que houvesse qualquer regulação por parte da Antaq durante todos esses anos, a agência reguladora resolveu mantê-la.

Isso se dá porque a Agência decidiu “reconhecer a legalidade e conformidade regulatória da cobrança estratificada da rubrica Inspeção Não Invasiva de Contêineres´por parte das instalações portuárias que operam em regime de arrendamento (nos portos organizados) ou em regime autorizativo (Terminais de Uso Privado -TUPs) e determinar à Superintendência de Regulação (SRG), desta Agência, que promova análise em relação à aderência regulatória da cobrança ora deliberada em relação aos termos da Resolução Normativa nº 34-ANTAQ, recentemente editada, com vistas a avaliar a necessidade e conveniência de inserir o presente assunto no bojo das providências subsequentes à aprovação da referida norma, dentro dos limites regulatórios lá estabelecidos.”

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Mas qual “conformidade regulatória”? Aquela que viola a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional?

A referida decisão, apesar de precedida de audiência pública, com diversas contribuições e da constatação de falta de transparência e preços muito acima dos custos de operação, não desobriga a Antaq de cumprir institutos tradicionais do Direito, como o poder de polícia e taxa (espécie de tributo que só pode ser criada por lei). Uma das opções colocadas pela nota técnica analisada pelo relator do processo foi a cobrança com preço teto. Todavia, a mesma não foi considerada na decisão, embora essa possibilidade tenha sido remetida para a Resolução Normativa n. 34/2019 da Antaq.

Devemos lembrar que a Portaria determinou que os terminais alfandegados disponibilizassem o scanner sem custo para a União. Ocorre que aqueles, sem qualquer controle ou autorização da Antaq, compraram tais equipamentos e, ironicamente, começaram a cobrar uma atividade de poder de polícia (segurança, vigilância sanitária), numa típica conduta oportunista, pois não é serviço portuário requisitado pelo usuário.

Salta aos olhos, portanto, a motivação da decisão da Antaq pois, apesar de reconhecer que o escaneamento gera custos aos terminais (CAPEX e OPEX), a mesma insiste em não criar uma política ex ante, via price cap, para evitar abusos em relação ao preço, defendendo que a regulação ocorra somente em caso de abuso (ex post).

E como ficam as cobranças efetuadas até o momento? E os atuais valores? A decisão poderia retroagir até o início da cobrança feita “a reboque” de uma norma da Receita Federal? Como a Agência permitiu que ela fosse feita durante tantos anos, sem que houvesse qualquer medida para evitar o abuso? Por que a Antaq, ao invés de criar uma política preventiva, para reduzir os custos de transação e aumentar a eficiência na regulação, teima em fazer regulação repressiva?

Não obstante o esforço do seu qualificado quadro de servidores e do diretor-geral Mario Povia, a Antaq ainda não tem sido capaz de reconhecer as externalidades negativas decorrentes dessa política de apurar as denúncias de abuso somente depois que ocorrem. Como insistir nessa política em um mercado extremamente concentrado, no qual mais de 50% das operações se dão em terminais de contêineres verticalizados e com evidências de abuso de posição dominante em várias regiões do Brasil?

Será que a Antaq não consegue identificar que há uma cobrança de valor muito acima dos custos marginais do equipamento? Há terminais com receita anual superior a sete vezes o preço de um equipamento que pode durar mais de quinze anos. Para citar um exemplo, o preço de um scanner marca Smiths Detection, tipo portal, de fabricação francesa, com capacidade de inspeção de até 100 caminhões/contêineres por hora é de US$ 1,4 milhão, ou seja, R$ 5,6 milhões.

Verifica-se que os prejudicados possuem bons argumentos para buscar o controle judicial não deferente à decisão da Antaq, pois distorce institutos tradicionais do direito num mercado onde eventuais ganhos de produtividade em decorrência de investimento em tecnologia ainda não foram repassados ao usuário.

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Em Santa Catarina, segundo as estatísticas da Antaq, dois armadores que operam em joint e em três terminais de sua propriedade, movimentaram 98% dos contêineres no Estado em 2018. Neles são cobrados os maiores valores de inspeção não invasiva do país, entre R$ 900 e R$ 1.105,00. Portanto, ao contrário da retórica de alguns para afastar a regulação econômica preventiva, sob o argumento ingênuo ou cínico que o “mercado regula onde há demanda”, até as pedras sabem que tal cenário está muito longe de ser “uma Rua 25 de março”. Aqui talvez o “mercado regule”.

Parece-nos que a ratio da decisão merece uma análise detalhada, inclusive à luz da defesa da concorrência, para que os prejudicados possam exigir dos órgãos competentes um melhor equilíbrio entre os interesses das partes em conflito. Afinal, os terminais possuem o direito à remuneração justa, compatível com o valor do investimento.

Por tais motivos, o problema continua sem solução adequada e os prejudicados com a decisão e insatisfeitos com o valor abusivo da cobrança possuem elementos suficientes para a redução do preço, sob pena de não receberem serviço adequado.

As opções são várias, dentre as quais, a via da negociação direta ou, se inexitosa, denúncia à Antaq, ao Cade ou ao TCU, assim como a suspensão da cobrança na via judicial e, até mesmo, após análise do caso concreto, a devolução do que foi pago acima do custo marginal.

São esses alguns remédios para inocular a teratologia da decisão ora criticada, até que melhor solução, mais próxima da legalidade e do serviço adequado (aqui expressamente sonegado pelo regulador), seja dada.

Osvaldo Agripino é advogado especializado em comércio exterior e logística, sócio do Agripino & Ferreira com Pós-Doutoramento na Harvard University em Regulação de Transportes e Portos

 

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