Terça, 16 Abril 2024

O Portogente convidou o administrador do Escritório Gallotti e Advogados Associados e conselheiro eleito da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Distrito Federal, Benjamin Gallotti, para refletir sobre modelos de gestão dos portos brasileiros e o complexo "emaranhado" de leis e normas que regem o setor no País. Segundo ele, o melhor modelo de exploração da atividade portuária não resiste de forma saudável sem previsibilidade econômica, estabilidade política e, especialmente, segurança jurídica. "Esse gigante chamado insegurança jurídica é, sem qualquer sombra de dúvidas, o principal fator analisado pelo capital externo antes de se promover vultosos investimentos em contratos de longo prazo com a administração pública", analisou.

O excesso de leis e normas vigentes, observou Gallotti, contribui negativamente para a formação do Custo Brasil e a almejada modicidade tarifária. "Há uma preocupação enorme em se promover a fiscalização das instalações portuárias, enquanto esse esforço deveria ser prioritário para buscar as soluções logísticas que o Brasil necessita.  Um problema de segurança do trabalho pode gerar multa da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e da Delegacia Regional do Trabalho (DRT)".

benjamin gallotti
Gallotti em vídeo do WebSummit Porto Sustentável - Imagem: Gabriel Imakawa

Confira a seguir a entrevista completa, incluindo o resgate de detalhes sobre concessão das administrações portuárias no Brasil e observações sobre a Constituição, leis e decretos que impactam no segmento.

Portogente - Considerando a reforma portuária como a adoção de um novo e mais produtivo modelo de administração portuária no Brasil, qual sua avaliação dos modelos landlord (adotado em vários dos mais movimentados portos do mundo) e de desestatização (proposto pelo Governo Federal)?
Benjamin Gallotti - O êxito na captação de recursos privados para promover investimentos em infraestrutura pública depende, não apenas do modelo a ser adotado – sem prescindir da importância desse quesito –, mas também da reunião de alguns fatores preponderantes como previsibilidade econômica, estabilidade política e, principalmente, segurança jurídica. O ambiente de negócio tem que ser favorável ao modelo escolhido. O sucesso que se presencia dos terminais privados no Brasil (crescente desde a Lei n 8.630/1993) decorre, principalmente, da menor relação desse modelo com a administração pública, e não de questões financeiras propriamente ditas.

De fato, há que se reconhecer que o modelo landlord port tem se mostrado bastante eficiente onde o Estado (Poder Concedente) é o titular da infraestrutura (propriedade do imóvel) e fica incumbido da administração portuária (atualmente sob o regime de “administração indireta”, por intermédio de empresas públicas), ficando a iniciativa privada incumbida de realizar os serviços de operação portuária e de promover os investimentos em superestrutura, mediante contratos de arrendamento previamente licitados.

O novo regime de desestatização pretendido, que se encontra em fase de modelagem junto ao BNDES, pelo que tem sido divulgado visa adotar o landlord port com autoridade portuária privada. Acredita-se que será utilizado o instituto da concessão, onde o modelo tradicional de landlord port também passaria a administração portuária para a gestão da iniciativa privada, o que podemos denominar de landlord full. Esse regime já foi adotado no passado com o Porto de Santos (concessão de 90 anos – 1890 a 1980) e com o Porto de Imbituba (concessão de 70 anos – 1942 a 2012). Nesse ponto, é importante retornar ao tema de ambiência negocial para atrair investimentos.

Como se demonstra, a concessão portuária não é novidade e estava expressamente prevista na revogada Lei  8.630/1993 (art. 1º, § 2º) e permanece em vigor na atual Lei 12.815/2013 (art. 1º, §§ 1º e 3º). Porém, o fato é que nenhuma nova concessão foi formalizada, apesar da expressa possibilidade e previsão legal.

A ausência de novas concessões é sintomática de algum problema no modelo adotado pelo Brasil. Poderíamos dizer que a ausência de novas concessões portuárias decorreu de uma opção da iniciativa privada em investir em TUPs, por ser um regime de exploração com menor grau de regulação (pois não se explora o bem público, mas apenas a atividade regulada), mas se isso fosse uma verdade absoluta não haveriam os arrendamentos. Pode-se, então, sem cometer excesso especulativo, dizer que a opção do investimento privado nos TUPs poderia ter reduzido o interesse nas concessões, mas essa não é a causa determinante.

Nada ocorre ao simples acaso. A última concessão portuária privada no regime de landlord full no Brasil se encerrou em 25 de dezembro de 2012 tendo por objeto o Porto de Imbituba. A tomada de contas sobre o encerramento da concessão do Porto de Imbituba, passados quase oito anos, ainda não teve seu desfecho, ante a sucessão infindável de análises pela hierarquia burocrática da administração pública.

No caso específico, tratava-se de um contrato de 70 anos de prazo de vigência, ou seja, havia a previsibilidade da necessidade de apuração prévia dos valores que deveriam integrar a tomada de contas para que houvesse o devido encerramento da concessão na data prevista, mas isso não ocorreu. Essa concessão passou por todas as crises financeiras ocorridas nas últimas sete décadas (questão econômica), passou por todas as crises políticas nesse período (incluindo Segunda Guerra Mundial, Regime Militar e cinco processos de Impeachments), mas agora se depara com um inimigo colossal que é a insegurança jurídica.

Vale registrar que, nem mesmo com a previsão contratual de cláusula compromissória arbitral (isso mesmo!: o contrato de concessão firmado em 1942, já previa a arbitragem) foi possível afastar a indesejada situação de insegurança jurídica, de vez que a União, apesar de instada pela concessionária, negou o pedido de abertura do procedimento arbitral. Nada obstante, a própria União editou o Decreto 8.465, de 8 de junho de 2015, posteriormente revogado pelo Decreto 10.025, de 20 de setembro de 2019, ambos prevendo a possibilidade de adotar a arbitragem para dirimir conflitos do setor portuário.

Esse comportamento refratário à solução do problema exigiu que a concessionária ingressasse em juízo para tentar fazer valer seus direitos, no que tange a abertura do procedimento arbitral. Veja que não há segurança jurídica sequer para garantir o cumprimento de cláusula contratual expressa, que versa apenas sobre o compromisso arbitral, sem que se tenha que ir ao Poder Judiciário. Isso tudo é um péssimo cartão de visitas para o Brasil, que atualmente busca investidores justamente para promover a concessão da administração dos portos de Santos, São Sebastião e do Espírito Santo.

Esse gigante chamado insegurança jurídica é, sem qualquer sombra de dúvidas, o principal fator analisado pelo capital externo antes de se promover vultosos investimentos em contratos de longo prazo com a administração pública. O que se tenta demonstrar é que, mais importante do que o modelo a ser adotado, é que o Brasil aprenda que os contratos devem ser cumpridos e que as regras devem ser observadas, a fim de garantir credibilidade e com isso gerar um ambiente saudável para que o modelo possa se desenvolver.

Por certo que os investidores podem, conforme a matriz de risco contratualmente estabelecida, precificar o risco econômico e até mesmo a instabilidade política – em que pese o encarecimento do serviço aos usuários -, desde que esse investidor saiba que os direitos e obrigações contratualmente estabelecidos serão respeitados, sem a necessidade de se litigar por décadas contra a administração pública, perante o nosso moroso Poder Judiciário.

Concluindo, o ideal é que se tenha um tripé que dê suporte e estabilidade ao investimento, constituído por previsibilidade econômica, estabilidade política e segurança jurídica. O melhor modelo de exploração da atividade portuária não resiste de forma saudável ante a ausência desses fatores.

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Porto de Vitória - Foto: Julia Eugênia Guelli

Opiniões sobre modelos de gestão dos portos
* Leonardo Cerquinho - Gestão de portos pelos estados como terminais de uso privativo é modelo mais eficaz para o momento, diz presidente de Suape
* Pesquisadora Flávia Nico - Cidades e pessoas devem ser incluídas na gestão dos portos
* Deputado Junior Bozzella - Melhor caminho para o Porto de Santos é a gestão compartilhada
* Sérgio Aquino - Banco Mundial não recomenda administração privada nos portos

Portogente - Qual a sua posição sobre a administração de serviços como acessos terrestres e dragagem pela iniciativa privada? E sobre os CAPs, ainda há espaço para serem deliberativos?
Benjamin Gallotti - A Constituição Federal prevê, em seu art. 173: "Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei".

Nessa linha, o Estado somente poderá explorar atividade econômica a título de exceção em duas situações: i - para fazer frente à uma situação de relevante interesse coletivo; ii - para fazer frente à uma situação de segurança nacional.

O desenvolvimento de atividade econômica (art. 170 da Constituição Federal) guarda alinhamento com a agilidade inerente às características da gestão privada.

Fica clara a orientação de matriz constitucional quanto a atividade econômica ser desenvolvida pela iniciativa privada, ressalvadas as exceções, enquanto a administração fica incumbida de traçar as políticas públicas e promover os atos rotineiros. Por certo que algumas atividades exigem o assessoramento, mas não deve a administração promover a terceirização de suas competências legais.

Cabe agora analisar se a administração de serviços para garantir a manutenção e o melhoramento dos acessos terrestres e aquaviários é (ou não) atividade inerente à administração pública. As administrações portuárias tiveram suas competências esvaziadas pelo novo marco regulatório do setor portuário. Não pode o Poder Público simplesmente promover a transferência de atividades típicas de administração, se eximindo da execução direta de suas funções.

Como já foi dito acima, é juridicamente possível a concessão integral da atividade da administração portuária, conforme inclusive já ocorreu no passado. Mas a pergunta é sutil, pois não se trata, nesse caso, da simples aplicação da máxima de quem pode o mais, pode o menos. O fracionamento das atividades da administração portuária e a privatização desses serviços, mantendo uma administração portuária pública, leva ao esvaziamento das atividades e à manutenção dos ônus, o que não parece ser a melhor prática.

No que tange ao Conselho de Autoridade Portuária (CAP), que em virtude da edição da Lei 12.815/2013 (Art. 20), passou a ser um órgão meramente consultivo da administração dos portos, perdendo sua função deliberativa, cabe registrar que do ponto de vista da responsabilidade administrativa a situação se mostra adequada. A função deliberativa do CAP (art. 30, da Lei 8.630/1993 – Revogada) era incompatível com a ausência de responsabilidade dos atos, que por sua vez incidiam sobre a autoridade portuária.

Portogente - Como enxerga o "emaranhado" de leis e normas que regem o setor portuário? Qual ação considera prioritária para tornar o Brasil mais competitivo no comércio internacional?
Benjamin Gallotti - É inegável que há uma profusão de normas onde até mesmo os especialistas e aqueles que atuam diretamente no setor possuem grande dificuldade para acompanhar, sendo praticamente impossível cumprir integralmente todas as exigências que incidem sobre as atividades portuárias. Esse excesso contribui negativamente para a formação do Custo Brasil e a almejada modicidade tarifária. Há uma preocupação enorme em se promover a fiscalização das instalações portuárias, enquanto esse desforço deveria ser prioritário para buscar as soluções logísticas que o Brasil necessita.

Importante notar que há até mesmo sobreposição (áreas de sombra) de normas sancionadoras sobre as instalações portuárias. Um problema de segurança do trabalho pode gerar multa da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e da Delegacia Regional do Trabalho (DRT). Um problema ambiental gera multa da Antaq e da SEMA/IBAMA. Existem normas que interferem até mesmo nas relações contratuais entre os privados, sob a alegação de defender interesses dos usuários. Veja-se que a administração, nesse ponto, ora quer privatizar tudo e ora busca interferir em questões que ultrapassa os limites de sua competência.

A simplificação, com foco nas questões de maior relevância, seria uma boa medida imediata, que ajudaria na percepção de um ambiente de negócios mais favorável aos investimentos privados.

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