Terça, 23 Abril 2024

Ela é bonita, vaidosa, extrovertida. Aos 33 anos, Márcia Rocha Miranda é a única caminhoneira da Libra Terminais no Porto de Santos. Por onde passa é motivo de olhares e comentários. Apaixonada desde criança por caminhões, ela aprendeu a lidar com o preconceito e hoje se sente feliz por ter conseguido o posto de motorista de caminhão. Trabalha sempre no turno da noite, da 1h às 7h. Transita dentro dos terminais da Libra, carregando e descarregando contêineres.

 

Mas, entrar no universo masculino não é das tarefas mais simples. Só na Libra, existem 600 funcionários no setor operacional e apenas quatro são do sexo feminino. Além de mostrar domínio técnico do assunto, a mulher precisa a todo instante impor uma certa barreira aos mais desavisados.

 

A trajetória profissional de Márcia é um exemplo disso. Como sempre sonhou em dirigir veículos grandes foi buscar aperfeiçoamento para se tornar uma profissional competente.

 

Quando completou 18 anos tirou carteira de habilitação para dirigir carro e moto. Nessa época, trabalhava como atendente de uma rede de cosméticos e lidava com o público diariamente.

 

Passado algum tempo surgiu uma oportunidade de dar aulas de carro na auto-escola em que havia tirado a sua CNH. Ficou tão entusiasmada com a chance que resolveu tirar logo  habilitação para dirigir carreta. Em pouco tempo acumulou as aulas de ônibus. Trabalhava todos os dias pensando que poderia dirigir caminhões como Débora Rodrigues, aquela piloto de Fórmula Truck.

 

A auto-escola começou a crescer e o seu patrão resolveu, então, colocar instrutores homens para dar as aulas de ônibus. O sonho dela era dirigir carretas e poder dar aulas. O patrão achava que não iria dar certo. Ofereceu um trabalho numa academia em que ele acabara de inaugurar. Ela aceitou e alternava as aulas diurnas na auto-escola com as de musculação à noite.

 

Depois de um ano e meio a academia fechou, mas o patrão ainda a manteve na auto-escola. Em 2000 conheceu Marcos, um instrutor de carreta que dava dicas de como dirigir este tipo de veículo. Por vezes, entre uma carona e outra, a deixava guiar escondida do patrão. Aos poucos ela foi mostrando habilidade e domínio pela nova modalidade. O patrão liberava aulas a ela quando algum instrutor faltava. Nessa ocasião a auto escola já tinha alcançado um porte grande.

 

Márcia saiu de lá e começou a dar aulas de moto numa outra auto-escola. Mas, a paixão mesmo era pelas quatro rodas. Continuou estudando e se especializando. Fez cursos variados, entre eles o de Movimentação de Produtos Perigosos (MOP). Lembra que foi a primeira mulher de Santos a participar. Já no primeiro dia de aula reconheceu a maioria machista. "Quando cheguei na sala de aula, havia 30 cadeiras, todas identificadas. A minha, a única de mulher, era a última da fila no canto da sala". 

 

Outro episódio marcou a trajetória de Márcia. Com o curso de transporte coletivo nas mãos, se candidatou a uma vaga numa empresa de transporte rodoviário. Passou por todos os exames, psicotécnico, teórico e prático. O tempo passava e ninguém da empresa entrava em contato com ela. Resolveu telefonar quando foi informada de que a diretoria não havia acatado a sua admissão porque era mulher. Foi quando o encarregado que lhe atendera fez uma proposta indecorosa para que ela conseguisse a vaga.

 

Caracterizado o assédio, pensou em desistir. O pessimismo chegou e com ele a nítida impressão de que nunca conseguiria trabalho como caminhoneira. Com o apoio e estímulo de alguns amigos, continuou a dar aulas já de volta à antiga auto-escola. Em dezembro de 2004, seu namorado Marcos (aquele instrutor que a ensinou dirigir carreta) começou a trabalhar como motorista de caminhão. Logo estava na Libra e como uma namorada dedicada e companheira, Márcia o buscava sempre depois do serviço nos gates. Admirava como uma criança os caminhões e sonhava em um dia pilotar um portêiner. Marcos dizia que o serviço era muito cansativo e de que ela não iria agüentar. Claro... ela fez amizade com os encarregados.

 

Certa vez resolveu entregar um currículo para um deles e depois de alguns dias já estava fazendo um teste diferenciado no pátio do terminal. Era necessário constatar se Márcia tinha força física para engatar e desengatar uma carreta.  Depois de um mês começou a trabalhar.

 

Desde março na função, Márcia é feliz e apaixonada pelo que faz. Mas passou por momentos difíceis no convívio com os homens. "Se eu não fosse profissional, não soubesse o que estava fazendo, eu não tinha ficado. Ainda não posso ter um defeito", salienta.

 

Os motoristas tinham ciúmes porque achavam que iriam perder o lugar para as mulheres. No início teve até que usar uniforme e banheiro masculinos. Hoje os caminhoneiros a tratam com indiferença.

 

Gaúcha - A história de outra mulher portuária é a da assistente de segurança aduaneira também da Libra Terminais, a gaúcha Verônica Inchauspe, 34 anos. Ela é responsável pela conferência da documentação do contêiner e do motorista do caminhão que saem da área do terminal. Por um dos quatro portões de saída que trabalha chegam a passar até 100 caminhões no período de seis horas. Depois de nove meses na função, estritamente masculina, lembra dos primeiros dias de trabalho.

 

Mesmo já atuado como secretária de uma das diretorias da empresa por dois anos foi recebida no início com um certo receio pelos colegas de operação e até mesmo pelo pessoal administrativo. "Eles achavam que a gente vinha para dominar o espaço conquistado por eles. Olhavam como se fôssemos um E.T.", lembra. Na época da sua admissão, em dezembro de 2004, mais duas mulheres também iniciavam a suas atividades na operação. Seria a primeira vez em que o sexo feminino ocuparia vagas na assistência aduaneira.

 

Verônica conta que o primeiro dia de trabalho foi complicado. Ao se apresentar na escala chamaram a segurança para lhe entregar o uniforme. Para sua surpresa e indignação, lhe trouxeram roupas masculinas. Ela que usa manequim 36 e camisa tamanho "P", foi logo avisada: "aqui é tudo igual, não tem diferença entre homem e mulher. Se você quiser entrar no nosso setor operacional é assim", disse um "colega de trabalho". Não teve dúvida, foi direto reclamar com o encarregado. "Não vou usar calça de homem, isso é me expor ao ridículo", protestou. O encarregado disse a ela para ter calma, que tudo seria resolvido. Demorou quatro meses para o uniforme feminino chegar. Enquanto isso, mandou ajustar a camisa e trabalhava com sua própria calça jeans. O inverno chegou... e o casaco de tão grande batia em seu joelho.

 

Se não existia uniforme feminino, o que dizer então da existência de banheiros? É... Verônica fala que a primeira vez que precisou trabalhar dobrado durante 12 horas, teve que pedir socorro. Ligou para o pessoal da escala e pediu um resgate. Um carro foi buscá-la para levá-la até o prédio administrativo. Que alívio!

 

Pois é, a chegada das mulheres causou alvoroço, principalmente entre os motoristas de caminhão. "Na primeira semana eles levaram um susto. A gente abria a janela e eles davam de cara com uma mulher. Alguns horrorizados, perguntavam: é mulher de verdade?", lembra Verônica. As reações foram diversas. Alguns chegavam a falar que o mundo estava acabando. Outros levavam refrigerante, caixa de bombom e alguns agrados.

 

Apesar deste constrangedor processo de adaptação, ela afirma que nunca sofreu preconceito forte. "Os motoristas estranhavam, comentavam uns com os outros. Muitas vezes preferiam passar pelo portão das mulheres. A gente se divertia com a reação deles". Passado um mês de trabalho, o ambiente já era de amizade. Elas ganharam a confiança dos outros assistentes e dos caminhoneiros. Hoje tem colega que prefere trabalhar no portão usado por uma delas, tudo por causa da limpeza e organização. Nem se incomodam de trabalhar num portão decorado com vaso de flor...

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