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Algumas destas questões passam pela inteligência territorial estratégica (mencionada em nossa primeira prosa), especialmente àquelas ligadas à atribuição, ocupação e uso das terras públicas e privadas do Brasil. A compreensão da dinâmica das três definições acima reflete em desafios cujos reflexos podem impactar a implantação ou expansão de diversos empreendimentos relacionados às vias de escoamento de produtos agropecuários.

A primeira delas, atribuição das terras do Brasil, trata da destinação de áreas para finalidades específicas como Unidades de Conservação (com APAs), Terras Indígenas, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária e áreas militares. Ao fim de 2017, com poucas mudanças deste então, existiam 12.184 áreas legalmente atribuídas no Brasil, ocupando 315.924.844 ha ou 37,1% do país (Figura 1). Além destas, ainda existem áreas de amortecimento das unidades de conservação e também demandas por novas demarcações. Todos pedidos são legítimos, mas consideram o interesse da nação e seu desenvolvimento futuro?

Espacialização das áreas legalmente atribuídas no Brasil

Figura 1. Espacialização das áreas legalmente atribuídas no Brasil. Fonte: Embrapa Territorial.

Com exceção dos assentamentos, estas áreas permanecem intocáveis pelo agricultor e altamente restritivas do ponto de vista ambiental. Muitas vezes estas áreas atribuídas se conectam plenamente, não restando espaços para empreendimentos, sejam eles logísticos, agropecuários ou minerários. Podem-se citar casos emblemáticos de projetos portuários, rodoviários e ferroviários impactados pela atribuição de terras: rotas com destino ao complexo portuário de Itaqui (MA) e sua área de entorno, o trajeto da BR-080 entre Ribeirão Castanheira (MT) e Luiz Alves (GO); e a Ferrogrão ligando Sinop (MT) à Miritituba (PA). Todos eles são fundamentais para a sustentabilidade (produtiva e logística), e sofrem com as exigências legais resultantes destas demarcações.

A segunda se relaciona à ocupação das terras no Brasil, que ocorre por complexos urbanos, industriais, energéticos e minerários, superfícies hídricas naturais e artificiais, as próprias infraestruturas viárias e seus modais, territórios não ocupados ou não cadastrados em sistemas oficiais (terras devolutas) e as propriedades rurais. A partir do Cadastro Ambiental Rural (CAR), fruto mais relevantes do Novo Código Florestal, foi possível quantificar a área de quase 6 milhões de imóveis rurais que totalizam, de forma mapeada, mais de 460 milhões hectares pertencentes ao mundo rural brasileiro.

Por último, mas não menos importante, temos o uso das terras no Brasil, historicamente avaliado via mapeamentos por satélite que permitem o acompanhamento espaço-temporal dos cultivos, sejam lavouras temporárias, permanentes ou pastagens. Mas o uso agropecuário nunca foi impeditivo para realização de obras por não impactar diretamente o licenciamento ambiental. O desafio recai sobre a interface entre empreendimentos logísticos e as áreas destinadas à preservação da biodiversidade dentro imóveis rurais para cumprimento do Código Florestal. Mais uma vez se recorre ao CAR, pois além do perímetro de seus imóveis, os produtores mapearam até 18 categorias de preservação ambiental, tais como as áreas de preservação permanente e as reservas legais, que devem totalizar de 20-80% da propriedade rural segundo a lei vigente. Ao quantificar e qualificar os dados do CAR, a Embrapa Territorial mostrou que o mundo rural brasileiro possui 220 milhões de hectares destinados à preservação da vegetação nativa dentro dos imóveis rurais (Figura 2). Ou seja, outros 26,7% do país que também devem ser considerados pelos gestores públicos e privados no planejamento ambiental para fins logísticos.

De forma sumarizada e descontadas as sobreposições, o país possui 50,9% de suas terras com potencial altamente restritivo ou simplesmente restritivo do ponto de vista ambiental (em áreas protegidas por decretos ou preservadas dentro dos imóveis rurais, respectivamente). Soma-se a outros 3,5% do território já imobilizado com cidades, complexos minerários e demais infraestruturas existentes, e descortinamos a complexidade de se traças novas rotas para desfazer os principais gargalos logísticos do país. Muitas vezes o traçado de uma ferrovia ou rodovia “greenfield” passa pelo desafio de contornar estas áreas, onerando ainda mais os empreendimentos e elevando o famigerado “custo Brasil”.

A Embrapa Territorial, em parceria com entidades públicas e privadas, apoia projetos focados no aumento da competitividade e sustentabilidade do escoamento da produção agropecuária brasileira. Para tal, traça linhas de pesquisa sobre o entendimento dos processos de atribuição, ocupação e uso das terras e sua interface com as obras viárias. Esta cooperação técnico-científica busca manter o equilíbrio entre preservação ambiental e desenvolvimento logístico no território brasileiro.

Espacialização das áreas destinadas a preservação da vegetação nativa pelos imóveis rurais

Figura 2. Espacialização das áreas destinadas a preservação da vegetação nativa pelos imóveis rurais. Fonte: SFB/MAPA, 2021 trabalhado por Embrapa Territorial, 2021.

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