Sexta, 29 Março 2024

Antes que me questionem, parodiei a frase acima do ex-governador da Bahia (1947-1951), Otávio Mangabeira, que a externava ao saber dos absurdos que aconteciam (ou acontecem) Brasil afora e, quando aconteciam (ou acontecem) na Bahia, manifestavam-se (ou se manifestam) com uma certa ênfase.

Atuando no setor há quase quarenta anos, primeiro como piloto de navios mercantes durante quatro anos no longo curso, tendo viajado para vinte e sete países, inclusive transportando contêineres, e desde 1992 como advogado e professor, nunca imaginei que pudesse me deparar, nessa fase da vida, com absurdos no shipping tupiniquim, especialmente quando se trata de regulação econômica.

navio santos

Apesar de termos um marco regulatório com possibilidades de proporcionar serviço adequado ao usuário, fruto do esforço do qualificado quadro de servidores da Antaq, em um caso, dentre muitos (cada um com o seu absurdo decorrente da omissão da Antaq para regular o tema), envolvendo a demurrage de três contêineres, cuja demora na devolução se deu exclusivamente por erro da Aduana, alcançou oitenta vezes o valor do frete e trinta vezes o valor da carga.

Trata-se de decisão de Diretoria, e não do corpo técnico da Agência. Digo isso porque as decisões da Diretoria incorporam uma “opção regulatória”, às vezes contrária ao entendimento do corpo técnico da agência, com forte impacto no setor, porque muitas vezes não está adequadamente fundamentada.

Pior: no caso a seguir, apesar do usuário solicitar ao regulador critérios objetivos (técnicos) para “modicidade”, sem a qual não há serviço adequado, o voto do Diretor-relator deu uma resposta inusitada: Não podemos limitar o valor da demurrage, porque ela é indenização pré-fixada, portanto, não é frete, nem preço e nem tarifa. Apesar da desproporção do valor saltar aos olhos, “para fins de modicidade de preços, nada mais é que retórica.”

Ora, será que a opção do legislador ao editar a Lei n. 10.233/2001, com a inclusão da modicidade no marco regulatório foi a de permitir uma cobrança quase cem vezes superior ao preço de frete? Obviamente não.

Pois bem, essa retórica do regulador para sonegar regulação, através da negativa de modicidade e, por sua vez, proibir serviço adequado ao usuário, beira o absurdo, especialmente porque o voto acima foi seguido pelos demais diretores.

Nesse passo, independente da natureza jurídica, é preciso ressaltar que enquanto a Antaq não enfrentar para resolver esse problema: a falta de critérios objetivos para fazer incidir a modicidade sobre esse instituto, pequenas e médias empresas, especialmente, estarão sendo executadas para fins de pagamento de quantias absurdas.

Muitas empresas encerram as suas atividades ou não mais operam no comércio marítimo, simplesmente pelo lucro exorbitante proporcionado a um agente intermediário ou a um armador, com uma inversão total de valor. Não se trata de um caso ou outro fora da curva. Uma decisão judicial condenando o usuário ao pagamento de valor absurdo tem um efeito devastador nas suas finanças.

Essa equivocada “opção regulatória” para não limitar o valor, na verdade significa uma “opção para permitir o absurdo”. Trata-se de mais uma externalidade negativa do que tenho denominado há cerca de dez anos: “custo Antaq”. Não há dúvida que a agência vem se esforçando para regular o setor, tal como se deu com a edição da Resolução Normativa n. 18/2017, ironicamente esquecida no caso acima, vez que o próprio normativo determina a modicidade na sobre-estadia de contêiner.

A cobrança de demurrage é tão relevante para a economia do pais, porque afeta sobremaneira a competitividade dos produtos brasileiros, que resolvi organizar durante três anos obra específica sobre o tema, com autores do Brasil e do exterior.

O livro Teoria e Prática da Sobre-Estadia (Demurrage) de Contêiner, 392 páginas, publicado em 2018 pela gigante Aduaneiras, é estruturado em treze capítulos, e oferece um enfoque sobre assuntos que vão ao coração do transporte marítimo de contêiner.

Segundo o prefácio do advogado Norman Augusto Martínez Gutíerrez, Professor-Titular do Mestrado e Doutorado do International Maritime Law Institute, da IMO, em Malta, onde sou professor convidado desde 2011, ao livro acima:

  • “O objetivo dos autores foi identificar questões que afetam especialmente o Brasil e propõem soluções pragmáticas aos problemas expostos. Isto é de suma importância, já que se trata de um dos países com maior quantidade de cobranças judiciais de demurrage de contêineres no mundo e onde as condenações são as de valor mais elevado.” (p. 14)

Em conclusão, de absurdo em absurdo, apesar dos esforços da Antaq para regular o setor, é preciso ter maior cautela ao analisar pedidos que procuram combater e inibir os absurdos que ocorrem no setor. Afinal, pagar um valor módico, não significa não pagar.

Em conclusão: sem uma análise criteriosa dos pedidos submetidos à agência, para fins de efetividade do interesse público, que deve buscar o serviço adequado, especialmente através da modicidade.

Sem limites objetivos nas cobranças permitidas pelo regulador, nunca haverá serviço adequado. Esse é o maior absurdo, especialmente num país que não tem política eficaz de Marinha Mercante, e sequer um navio porta-contêiner de bandeira brasileira, portanto, dependente 100% do cartel de transporte marítimo de contêiner que atua no país: um absurdo.

Aliás, alguns desses armadores vêm verticalizando a nossa cadeia logística, desde o transporte marítimo, passando pelos terminais e transportando carga pelo modal rodoviário, com preços de frete abaixo da tabela mínima, em flagrante violação da ordem econômica constitucional (defesa da concorrência, defesa do usuário e da pequena e média empresa – caminhoneiros). Mas esse problema (mais um absurdo) é tema para outro artigo.

Osvaldo Agripino é advogado especializado em Comércio Exterior, sócio do Agripino & Ferreira e Professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí

 

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