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Osvaldo Agripino

Advogado (UERJ, 1991), sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University

Depois de mais de uma década de denúncias na Antaq, nas Fazendas Públicas e no TCU, desde a edição da Resolução n° 2389/2012, a primeira das várias tentativas ineficazes para reduzir as externalidades negativas decorrentes da cobrança da THC (Terminal Handling Charge), taxa de manuseio do terminal nas operações de movimentação de contêiner, a Antaq publicou o Aviso de Audiência Pública n° 03/2022.

Nele, a agência setorial comunica aos usuários e agentes do setor aquaviário nacional e, bem assim, aos demais interessados em geral, que realizará Consulta e Audiência Públicas, no período de 21/02/2022 (terça-feira) a 06/04/2022 (quarta-feira).

O objetivo é obter contribuições, subsídios e sugestões para o aprimoramento das propostas de atos normativos relativos ao Tema 3.1 da Agenda Regulatória da Antaq, biênio 2020/2021, que versa sobre "Sistematizar mecanismo de análise e apuração de possíveis abusividades relacionadas com cobrança de THC de usuários, por parte dos armadores que atracam em instalações portuárias brasileiras".

A proposta de norma estabelece instrumentos de aprimoramento de análise e fiscalização da cobrança da Taxa de Movimentação no Terminal e altera as Resoluções Normativas Antaq nº 18, de 21 de dezembro de 2017 e Resolução Normativa Antaq nº 34, de 17 de agosto de 2019.

Ela conceitua a Taxa de Movimentação no Terminal ou Terminal Handling Charge (THC) como serviço portuário que, quando contratado sob intermediação de transportador marítimo ou agente intermediário, ao representar o exportador ou importador na qualidade de terceiro não interessado, possui natureza extra frete marítimo.

Apesar da enorme concentração horizontal, verticalização, transnacionalização e assimetrias de representação e de informação, assim como reclamações dos prejudicados com a forma de cobrança, a opção da Antaq para regular o THC é o modelo ex post. Nele, a agência age mediante provocação do usuário, ao contrário do modelo chinês. Assim, a Antaq permite que o transportador marítimo ou seu agente intermediário possa cobrar do usuário o THC na origem ou no destino, sem comprovação do valor pago ao terminal portuário que movimenta o contêiner e sem nota fiscal.

Esse modelo tem permitido a criação por qualquer agente ou transportador de sigla de cobrança, muitas delas ilegais, vez que sem qualquer fator gerador, apesar da tentativa recente da Antaq de combater tal prática, por meio de normativo que visa a verificação do fato gerador.

Tal opção regulatória tem sido criticada há mais de dez anos por diversas associações de usuários e de alguns terminais das zonas primária não verticalizados e secundária, que sofrem os abusos das assimetrias de informação, que gerou o THC2 e o SSE, e a “rachadinha” no THC, além de facilitar a sonegação fiscal e o enriquecimento sem causa pelo transportador marítimo e agente intermediário. Por tal motivo a cobrança é também conhecida como THC “rachadinha”.

Essa assimetria de informação tem causado sonegação bilionária aos municípios portuários que possuem terminais de contêineres e à Receita Federal, em face da não comprovação do pagamento de tributos, como o ISS, o que fez com que, para citar um exemplo, um município aplicasse auto de infração a um armador estrangeiro, confirmado no Conselho de Contribuintes do Município, no valor de mais de R$ 3 milhões.

O Tribunal de Contas da União, em denúncia contra a Antaq acerca da deficiente regulação do THC determinou a remessa dos autos para a Secretaria da Receita Federal, para a tomada das seguintes providências: “(...). encaminhar cópia dos presentes autos para a Secretaria da Receita Federal, para a adoção das providências que aquele órgão entender cabíveis no que concerne à aferição da correta apropriação das receitas de THC pelos armadores que atuam no Brasil.

Ressalte-se que a determinação acima se deve às evidências de sonegação bilionária, conforme voto do relator:

(i) Aliás, é importante observar que o Denunciante trouxe duas questões relevantes ao processo que precisam ser enfrentadas pelo TCU. A primeira é em relação ao Relatório de Fiscalização da Navegação Marítima, em que a Antaq verificou conduta lesiva aos usuários com a aplicação de sobrepreços a THC cobrado, inclusive tipificando a conduta dos armadores e, a segunda, tão importante quanto, é um processo de fiscalização quanto à possível sonegação de ISS, em relação ao sobrepreço (diferença a maior entre os valores cobrados pelos armadores dos usuários e os efetivamente pagos aos terminais). E a questão é que, onde pode haver sonegação de ISS, também pode existir sonegação de IRPJ, PIS/PASEP, CONFINS e CSLL. É preciso investigar, porque o processo foi iniciado no mesmo ano em que foi proferido o primeiro Acórdão do Plenário no presente processo, que reafirmou o caráter ressarcitório da cobrança. Certamente, estamos tratando de quantias bilionárias que deveriam ter entrado nos cofres públicos.

A Antaq, por sua vez, vem investigando denúncias e autuando, com aplicação de multa, assim como determinando a devolução do valor do enriquecimento ilícito.

As denúncias seguem, mas em percentual irrisório em relação ao mercado em que ocorre a cobrança do THC, pois a quase totalidade dos usuários e municípios desconhecem as particularidades da cobrança e as possibilidades de abuso, bem como o seu direito. É como enxugar gelo.

A agência setorial na consulta pública procura reduzir a assimetria e os abusos, com grandes danos à Fazenda Pública e o serviço adequado, que ela deve zelar.

Por tal motivo, a proposta de norma inclui metodologias para aferição de abusividade e os incisos abaixo, como infração administrativa:

Art. 27...(..)

V - não emitir nota fiscal como meio de comprovação de pagamento por serviços prestados, sejam eles de quaisquer natureza: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais); e

VI - cobrar valores a título de restituição sem comprovação: multa de até R$ 100.000,00 (cem mil reais)."(NR)

Nesse cenário: o que fazer? O prejudicado deve contribuir para a consulta e audiência acima, reduzindo os abusos e aumentando o poder dissuasório, fiscalizatório e punitivo da Antaq, é relevante que o usuário que paga diversas cobranças extra-frete, algumas sem fato gerador e imódicas, como o THC.

Além disso, recomenda-se que prejudicado procure assessoria jurídica especializada para orientações sobre procedimentos, uma vez que realizou diversos pagamentos indevidos nos últimos anos e passe a participar mais da Agenda Regulatória da Antaq.

Vale elogiar o esforço dessa Agência para reduzir os abusos no setor, especialmente nos últimos dez anos, em que pese a crítica ao modelo, que permanece inalterado, e diante dos aumentos de fretes inimagináveis desde o início da pandemia, conforme Relatório de Transporte Marítimo de 2021 da UNCTAD.

Ressalte-se que a cobrança abusiva se dá por parte de alguns transportadores marítimo de contêiner e de agentes intermediários que, ironicamente, sequer prestam serviço portuário e não apresentam nota fiscal.

Por sua vez, os municípios portuários e a Fazenda Nacional carentes de tributos para as suas políticas públicas, devem fazer o mesmo, para fins de análise e recuperação dos tributos eventualmente sonegados.

Afinal, há evidências que os valores a serem recuperados podem ser expressivos, de modo que é possível buscar outras medidas nas esferas administrativas, inclusive órgãos de controle, e penal.

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Osvaldo Agripino 

Advogado especializado em logística e comércio exterior, sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutor em Regulação de transportes e portos (Harvard University) –

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Mas saiba que nos últimos dias

haverá tempos críticos,

difíceis de suportar. (2 Timóteo 3:1)

Na esteira turbulenta da crise que tem abalado o comércio exterior realizado pela via marítima, que transporta 80% do comércio mundial (Unctad, 2021), causado pela Covid-19, é preciso que o usuário de transporte marítimo e o afretador de navios tenham maior atenção diante de nova onda de problemas decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia.

Essa tempestade em terra, no ar e no mar, ainda sem prazo para terminar, poderá ensejar novas condutas oportunistas por parte de alguns transportadores ou seus agentes.

O usuário já convivia, muito antes da pandemia, com várias práticas abusivas decorrentes, em parte, das assimetrias de informação e de representação, da transnacionalização (busca de registro de navios para espaços de baixa ou nenhuma regulação, como os países de bandeira de conveniência), da concentração horizontal e da verticalização, vez que o setor de transporte marítimo de contêiner é extremamente concentrado e a regulação é ex post.

Nele, três grandes grupos movimentam cerca de 77 % dos contêineres do mundo e o abuso dessa posição dominante se verifica na criatividade das diversas estratégias para aumentar os seus lucros, o que é legítimo, todavia muito acima dos custos marginais.

Essa absurda concentração, juntamente com a regulação ainda com muito espaço para melhorar, embora se reconheça o esforço da Antaq para exigir a prestação do serviço adequado, e o desconhecimento dos seus direitos, por grande parcela de usuários (no Brasil são mais de 200 mil) e afretadores, tem contribuído para o aumento dos abusos e da perda de competividade dos produtos brasileiros, especialmente a partir de janeiro de 2020 no transporte de linhas regulares.

Nas rotas de importação vindas da China, o frete médio registrado em julho de 2021 foi 7,35 vezes maior do que há um ano. Há um derretimento de qualquer ganho de produtividade da economia, em função dessa apropriação indébita por parte de algumas empresas, como se dá no THC ressarcimento (“rachadinha”), inclusive com evidências de sonegação fiscal, e detention/demurrage.

A rota Xangai-Santos apresentou um custo de US$ 11 mil por contêiner de 20 pés, contra US$ 1.500 em agosto de 2020. É um nível histórico, que não deve recuar tão cedo.

Principais problemas do shipper e do afretador de navio

Os principais tipos de problemas decorrentes da pandemia no contexto da performance dos contratos de transportes de mercadoria e de afretamento, e que poderão se repetir, com as devidas particularidades da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, por ser localizada embora os dois países sejam parceiros comerciais do Brasil, são os seguintes:

Cobrança de detention pelo armador ou agente, quando o usuário entrega o contêiner antes do deadline e o navio atraso

Cobrança de armazenagem adicional por parte do terminal, quando o navio atrasa, ainda que o embarcador tenha depositado o contêiner antes do deadline

• O direito do transportador de redirecionar a carga devido à insegurança no porto de destino, congestionamento, ou desvio de rota para desembarcar tripulante para atendimento médico e responsabilidade no contrato de afretamento para pagamento de consumo extra de combustível.

• Efeito dos atrasos decorrentes de troca de tripulação.

• Suspensão do laytime nos contrato de afretamento durante troca de tripulante enquanto navega de ponto de fundeio para outro porto, ou enquanto o navio aguarda para ser chamado para atracar.

• Diversas causas concorrentes de atraso, como quarentena e congestionamento no porto.

• Cancelamento de contrato de afretamento devido ao fato do navio não ter conseguido a livre prática.

• Prejuízos econômicos devido ao atraso causado por quarentena e congestionamento no porto devido à pandemia.

• Detenção (retenção) de navios devido à tripulação ter ficado além do prazo máximo permitido pela Maritime Labour Convention 2006.

• Danos materiais à carga perecível devido à quarentena ou congestionamento no porto devido à pandemia.

• O efeito das cláusulas de força maior na responsabilidade de tais atrasos.

• A potencial quebra do contrato de transporte ou do afretamento por tempo (TCP) devido aos atrasos para performar o transporte ou as viagens contratadas, que decorrem de restrições da pandemia nos portos.

• Atrasos no final da viagem num TCP, devido às restrições da Covid-19, resultante da reentrega do navio pelo seu afretador

• Insolvência dos proprietários do navio ou do afretador devido à pandemia

• Demurrage de navio causada por terceiros, passível de análise para eventual ação de regresso contra o causador do dano, pelo afretador, após o pagamento ao fretador.

Insolvência dos proprietários do navio ou do afretador devido à pandemia

Falta de formação e capacitação adequada (especializada) do Poder Judiciário para compreender as particularidades e a complexidade dos conflitos no transporte marítimo e na atividade portuária, aliada à morosidade do sistema judiciário, embora os seus magistrados sejam bastante qualificados para julgar outras demandas. Não é um problema somente do Judiciário brasileiro.

A Política de Biden e do Governo indiano para reduzir os abusos

Nos EUA, onde a regulação setorial tem sido mais ativa no combate aos abusos por parte de alguns armadores, o governo Biden tem acionado o FBI (equivalente à Polícia Federal), a Autoridade Antitruste, que tem as funções do CADE, assim como a Federal Maritime Commission (FMC), que possui competências semelhantes aquelas da Antaq no Brasil.

Segundo o briefing do discurso anual de Biden no Congresso sobre o Estado da União, realizado no dia 2 de março, o presidente anunciou uma cooperação de larga escala entre o Departamento de Justiça e a FMC para garantir a competitividade da cadeia de suprimentos do mercado norte-americano. Segundo ele, “o poder causado pelas três alianças de armadores de contêineres que vem aumentando os preços para os empresários e consumidores dos EUA, ameaçam a nossa segurança nacional e a competitividade da economia”.

Tratando-se das consequências da crise decorrente da Covid-19, cabe destacar os problemas que vêm causando a detention de contêiner. Para atacar essa externalidade negativa, o Ministro de Transporte indiano, em decisão de 29 de março de 2020, notificou os armadores de contêineres para não cobrarem detention nos embarques entre 22 de março e 14 de abril de 2020.

Em outra norma, de 31 de março de 2020, o Ministro notificou as empresas de navegação para não cobrarem diversas rubricas de serviço relacionadas a preço de fundeio adicional, armazenagem portuária, ou qualquer cobrança aos proprietários de carga e consignatários de carga não conteinerizada no mesmo período. Tal política foi concedida para evitar embargo pelo não pagamento de cobranças adicionais durante o período.

Impactos da Guerra no Brasil

Voltando à crise da Rússia, para citar um exemplo, já temos visto armador ou agente pressionando o usuário exportador no Brasil para alterar o Incoterm de FOB para CIF, a fim de exigir desse o pagamento do frete dos contêineres que foram transportados para a Rússia, ainda que o Incoterm seja CIF.

Nesse caso, o importador russo contratou o frete no destino (collect), mas como o transportador marítimo não consegue receber devido ao embargo financeiro à Rússia, como na suspensão do SWIFT, o carrier obriga o exportador a alterar o Incoterm para que o pagamento seja feito por ele.

É preciso ter cautela nesse momento, a fim de que seja efetuada a análise de todas as cláusulas contratuais do Conhecimento de Embarque (BL) e do Booking (reserva), geralmente fundadas em dispositivos de convenções não ratificadas pelo Brasil, de modo que grande parte delas viola o direito brasileira, portanto, são nulas.

Outros problemas podem ocorrer com a carga desembarcada em porto diverso do contrato e até mesmo país, bem como atraso na entrega.

Essas externalidades negativas, em face do prejuízo ao usuário, devem ser analisados com cautela, e cada operação tem suas particularidades operacionais e logísticas, especialmente porque os Bookings (reservas) e conhecimentos de embarque marítimo, são impostos unilateralmente pelo armador ou agente.

Todos sabemos que não há qualquer margem de negociação, em relação ao valor, pois há casos de diária de demurrage/detention de US$ 500 para contêiner refrigerado, e em relação a diversas cobranças extra-frete como ELF (export logistics fee), já declarada ilegal pela Antaq, mas ainda cobrada para alguns usuários, em função de liminar judicial, ILF (import Logistics fee) e IRS (incorrect seal charge), dentre muitas outras.

Há casos de cobrança de demurrage de três contêineres em valor de R$ 1,6 milhão, para um frete no valor de EUR 4 mil, e carga no valor de R$ 70 mil. É comum ações judiciais em processo de execução em valor de R$ 250 mil, quase 10 vezes o valor do frete e o dobro do valor da carga. A Antaq vem trabalhando para impor critérios para evitar tais abusos.

Temos observado ao longo de quatro décadas de atuação no setor marítimo e portuário, sendo quatro anos como piloto de navios mercantes no longo curso, e trinta anos como advogado, várias práticas abusivas que se repetem.

Uma delas, mesmo antes da guerra acima, é a transferência de um risco que é do armador para o usuário, por meio da cobrança do usuário exportador de detention por armador/agente e de armazenagem adicional por terminal portuário, ainda que aquele entregue o contêiner antes do deadline.

O problema se agrava quando o exportador brasileiro vende FOB, ou seja, sequer contrata o transportador marítimo e muito menos define o terminal molhado de embarque.

Nesses casos, os prestadores de serviços têm deslocado o risco da sua operação (terminais e armadores), quando o navio atrasa ou quando suprime a escala naquele porto (“dá uma rasteira no porto” como se fala na Marinha Mercante), causando danos financeiros e comerciais ao usuário, com o envio de notas de débito indevidas, assim como ameaça de inclusão do nome do exportador nos serviços de proteção de crédito e protesto do título.

As medidas da Antaq

A Antaq, quando provocada pelo usuário, desde que tenha provas suficientes, tem se manifestado a favor de suspensão da cobrança, ainda que em caráter liminar, como em caso recente no valor de R$ 88,5 mil, efetuada por um agente intermediário global.

No mesmo caso, a agência determinou a abertura de investigação tendo em vista indícios de ágio de 12,5% sobre o câmbio oficial, que não somente é ilícito administrativo passível de multa, mas também é crime de usura, e pelo fato do citado agente cobrar detention de 200% acima do valor cobrado pelo armador (transportador efetivo).

Ou seja, enquanto o armador cobra R$ 30 mil, o agente intermediário exige o pagamento de quase R$ 90 mil, ironicamente de uma cobrança ilegal. Três ilegalidades numa única nota de débito!

Em muitos casos a cobrança é ilegal, e quando o usuário contesta, o prestador de serviço concede “um desconto” de 30% a 50%, geralmente com prazo exíguo para que o usuário analise e aceite. O usuário aceita, muitas vezes, e acredita que fez um “bom acordo”.

O que fazer?

Em conclusão, nas suas operações logísticas de comércio exterior e até mesmo na cabotagem, é importante que o usuário tome cautelas desde o momento que recebe o primeiro e-mail do armador, do agente intermediário ou do terminal; passando pelo Booking até o recebimento do BL.

O mesmo se dá no pagamento de demurrage de navio, onde eventual ação indenizatória deve ser analisada após o pagamento ao fretador.

Assim sendo, recomenda-se que o usuário de transporte marítimo, de serviço portuário ou afretador de navios busque assessoria jurídica especializada, pois toda cobrança deve ser analisada antes do seu pagamento e, se for o caso, contestada e cancelada, ou ter o seu valor reduzido.

A experiência mostra que em alguns casos, a negociação direta do cliente acompanhado por assessoria jurídica, com o prestador serviço surte efeitos, pois esse busca evitar denúncia nos órgãos competentes e sanções inclusive multa e outras medidas, em face do modelo de regulação responsiva adotado.

Afinal, o regime de regulação econômica da Antaq é o de liberdade de preços, e ela atua somente quando o prejudicado a provoca, inclusive para fins de redução de valor abusivo, cancelamento e devolução de cobrança ilegal.

Enfim, é preciso muita cautela nesses tempos difíceis de suportar. Mares fortes fazem bons marinheiros.

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Osvaldo Agripino
Advogado (UERJ, 1991) e Professor do Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univali (Capes 6)

Temos observado vários problemas que envolvem afretadores de navios que operam em portos brasileiros e no Exterior, pelos mais diversos motivos, o que tem suscitado o pagamento de demurrage. A questão que colocam é: “Eu já paguei, mas não é justo, a culpa não foi minha. Não aguento mais ficar com esse prejuízo, posso processar fulano?” E nós respondemos: “Depende, é preciso analisar o caso”.

Segundo a Agência de Notícias do Paraná (06/02/2020), “os gastos com sobre-estadia na importação dos fertilizantes pelos portos do Paraná foram 43% menor em 2019. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira pelo Sindicato da Indústria de Adubos e Corretivos Agrícolas no Estado do Paraná (Sindiadubos). No ano, o setor economizou US$ 20,39 milhões.” Economizou? Como assim? Quem paga essa conta?

A demurrage de navio é fenômeno corrente há muitos séculos. A primeira menção à provisão equiparável consta do chamado Direito Marítimo Ródio, compilação bizantina do século VII d.C. de normas envolvendo transporte por navio formuladas séculos antes na ilha de Rodes, no Mar Egeu. Nessa, tem-se estabelecido um período de dez dias “de graça” a partir do prazo originalmente firmado na carta-partida para carga ou descarga, lapso temporal no qual o afretador (charterer) estava obrigado pelas despesas com a manutenção da tripulação.

Apesar dessa origem costumeira, a matéria – hoje já consolidada em códigos e leis esparsas na maioria dos países – não encontra tratamento doméstico uniforme. Por exemplo, enquanto na Inglaterra e nos Estados Unidos a demurrage de navio é considerada a liquidação prévia dos danos (liquidated damages) provenientes da quebra do contrato pela operação fora do prazo acordado, outros países perfilam entendimento muito distinto, como é o caso da França e do Canadá, onde tal instituto é encarado como um suplemento ao frete (supplément du fret).

No Brasil, a demurrage de navio encontra alguma regulamentação no Código Comercial, embora um tanto desatualizada, considerando que o mesmo data do século XIX, durante a regência do Imperador D. Pedro II, pela Lei nº 556, de 25 de junho de 1850.

Neste código, há certas disposições, como as de que a carta-partida (do inglês: charterparty, que resulta no contrato de afretamento, deve prever, dentre outras coisas, “o tempo da estadia e das sobre estadias ou demoras”, bem como quanto há de ser pago a título destas e a forma em que se dará tal pagamento (art. 567, nos 5 e 6).

Embora não exista qualquer posição da lei neste sentido, a corrente mais aceita pela doutrina e jurisprudência brasileira é a de que a demurrage de navio constituiria uma liquidação prévia de danos.

Todavia, não é completamente absurdo entender tal montante como uma extensão do frete acertado pelo contrato de fretamento (o nome pelo qual o instrumento denominado “carta-partida” no tempo da edição do Código Comercial é hoje conhecido). De fato, o afretador (charterer), ao adentrar nos ditos days of demurrage, de certa forma está estendendo a duração do negócio jurídico. Isto tudo com o prévio aceite do fretador (carrier), que se deu ao estipular a demurrage no referido contrato.

A demurrage de navio tem lugar, geralmente, em condições bem específicas, em que o tempo é fator crucial para o pleno gozo dos benefícios do contrato de transporte pelo transportador. É o caso, praticamente singular, do fretamento por viagem (voyage charter).

Na maioria dos contratos a demurrage de navio é estipulada contratualmente. Praticamente inexiste mais circunstância em que a mesma não é prevista de antemão entre as partes. A ideia de que esta incidiria por força dos “usos e costumes” é um tanto datada e descolada da realidade. E só é trazida à discussão quando não há previsibilidade.

Do mesmo modo, é comum a inserção no contrato de hipóteses em que a demurrage não deverá ser contabilizada. Todavia, apesar de todos os cuidados tomados no momento da negociação e elaboração do contrato de fretamento, ainda assim é possível ao afretador (isto é, quem contrata o serviço e paga o frete) estar exposto a uma cobrança de demurrage de navio. Como se sabe, vez por outra, a realidade invariavelmente supera a capacidade de antecipação das partes.

Uma greve de estivadores ou de fiscais da aduana, dentre outros fatores, podem contribuir, de alguma forma, para a obrigação do pagamento da demurrage. São infinitas as variáveis que podem interferir no regular desempenho das obrigações contratuais do afretador.

Ainda que muitas destas circunstâncias sejam previsíveis e até mesmo esperadas que ocorram, isto não significa que o fretador do navio admitirá a sua inclusão como exceções no contrato: muito pelo contrário, é de seu interesse não assumir esse risco, transferindo-o ao afretador, inclusive com a aplicação do once on demurrage, always on demurrage.

Por esta razão, em muitos casos o afretador se vê obrigado a pagar quantias vultuosas a título de demurrage, mesmo sem ter contribuído de forma alguma para o atraso na operação. O mesmo pode ser dito quanto aos seus seguradores que, muitas vezes, ficam a ver navios. Além disto, no mais das vezes, caso a questão seja judicializada, também não terá a seu favor a possibilidade de denunciar à lide o terceiro efetivamente responsável pelo prejuízo, tendo em vista que é comum o contrato de fretamento expressamente vedar tais “manobras” processuais.

Nestes casos, caberá ao afretador que se sentir prejudicado, após o pagamento da demurrage, efetuar a análise dos diversos fatores que possam ter contribuído para tal dano e tomar as medidas para fins de ressarcimento.

Para tanto, o afretador deverá resguardar-se de múltiplos cuidados, reunir provas do ocorrido desde o primeiro momento em que perceber que algo estiver errado, a fim de instruir adequadamente as medidas a serem tomadas.

O sucesso de sua empreitada dependerá sobremaneira da qualidade das provas, isto é, do quão convincente for o seu pleito. Além do mais, deverá estar atento ao prazo para a prescrição da sua pretensão. Todavia, esta regra não é necessariamente a única, devendo ser avaliado o caso concreto, pois existem disposições contratuais que podem alterar esta conjuntura, bem como a própria natureza do dano ou do autor deste.

Por estas razões, o afretador deve buscar o auxílio de assessoria jurídica especializada sempre que sentir que a cobrança de demurrage de navio for injusta. O profissional expert certamente saberá orientá-lo sobre o que poderá ser feito para contornar a situação, gerenciar tais riscos e, se for o caso, exigir a reparação do seu prejuízo. al, um direito não se pede, exige-se.

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Osvaldo Agripino
Advogado sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutorado em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University (2007-2008)

O Governo Bolsonaro se elegeu sustentando o combate à velha política dos governos Dilma-Lula-FHC e parece ter agido com acerto ao nomear um técnico qualificado para o Ministério da Infraestrutura, o engenheiro Tarcísio Gomes de Freitas, que tem feito um trabalho nunca visto no setor de transportes.

Mas em relação às agências nacionais reguladoras de transportes, Antaq, Anac e Antt, será possível criar um padrão técnico de governança e nomeação que evite a captura por alguns grupos políticos que só beneficiam o interesse de setores mais organizados? Como combater a velha política de um Congresso com mais de trinta partidos políticos sem programas? Não tratarei aqui das possibilidades do papel do TCU e do Cade nesse processo, tema para outro artigo.

Esse cenário institucional cruel ainda permite assimetrias de informação que conduzem a práticas abusivas, cartelização e sonegação fiscal, e a publicação de normativos sem estudos técnicos aprofundados, como a Análise de Impacto Regulatório (AIR). Por isto é comum o discurso de alguns grupos organizados que fazem lobby para não pagar determinado custo (usuários e terminais secos) ou cobrar por determinado serviço que é inadequado (terminais e armadores). Quando não conseguem: judicializam.

Para citar alguns exemplos, vejamos os casos da maior demurrage de contêiner do mundo, verticalização sem regulação, price squeeze, da taxa de scanner, do THC ressarcimento, que possibilita o enriquecimento ilícito e a sonegação fiscal, do THC 2, para uns, e do Serviço de Segregação e Entrega, para outros, além da luta para não ter um rol básico de rubricas de serviços e informar os seus preços e tarifas para a Antaq, problema resolvido há mais de 50 anos em outros países, como Europa e Estados Unidos.

Preocupa, ainda, e muito, eventuais proibições de cobranças por serviços executados em relação aos contratos de arrendamento dos portos públicos, que obrigaram arrendatários inclusive a fazer investimentos em expansão e equipamentos. Enfim, é preciso buscar o equilíbrio entre tantos interesses.

Nesse contexto, em que medida a edição da Lei Geral das Agências – Lei n. 13.848/2019, sancionada recentemente pelo Presidente Bolsonaro, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, pode melhorar a efetividade do marco regulatório de transportes no Brasil?

Com a adoção do modelo regulatório setorial independente, a partir da Reforma do Estado ocorrida nos 1990, as agências reguladoras passaram a ter um papel relevante para desenvolver a infraestrutura de transportes, especialmente com a atração de investimento privado e regulação para fins de serviço adequado aos usuários.

Assim, de que forma a regulação setorial independente pode contribuir para a juridicidade (produção, interpretação e aplicação do direito, esse aqui considerado, classicamente, como lei, jurisprudência e doutrina) que implemente os princípios, diretrizes e objetivos do marco regulatório do setor de transportes e portos, a fim de garantir a efetividade do interesse público nessa relevante atividade da indústria de serviços?

Num ambiente de recursos escassos e de insegurança jurídica, a regulação setorial eficaz é relevante, pois é por meio dela que o Estado instala um ambiente institucional mais próximo da segurança jurídica e, portanto, que permite a previsibilidade de comportamentos e o cálculo econômico no setor regulado.

De forma resumida, uma agência reguladora setorial independente, como a Antaq, a Antt e a Anac, tem como principais funções: i) normativa: produzir normas, desde que dentro do marco regulatório, especialmente normas constitucionais e tratados internacionais, ressaltando-se que, no caso de sanções, a agência deve observar dois requisitos procedimentais, a consulta/audiência pública e a motivação explicando sobre a escolha de determinada sanção; ii) fiscalizatória; iii) sancionatória: aplicar sanções (advertência, suspensão das atividades e cassação da outorga) e multas, observadas a proporcionalidade e a razoabilidade, pois não há regulação eficaz sem caráter punitivo.

Além das que foram mencionadas anteriormente, embora sejam pouco citadas na doutrina regulatória, acrescentamos as seguintes funções: iv) dialógica: incentivar o diálogo entre os diversos atores, o que contribui para a legitimidade das decisões; v) adjudicatória: julgar conflitos entre regulados, usuários e governo; e vi) distributiva: distribuir riqueza, o que pode ser feito, por exemplo, por meio de subsídio cruzado.

Qual é o papel da Lei Geral das Agências reguladoras no controle social e na gestão das referidas agências? Poderá ela contribuir para uma Nova Regulação? São mais de vinte possibilidades de aumento da eficácia da regulação setorial, mas tratarei aqui somente de duas: (i) a independência e autonomia e (ii) o processo decisório através da Análise de Impacto Regulatório (AIR), ferramenta imprescindível para evitar a judicialização dos conflitos do setor.

A Lei Geral das Agências

A Lei n. 13.848/19 abrange as agências reguladoras que se encontram no art. 2º, dentre as quais a Antaq, a Antt e a Anac, nos termos dos incisos VII, VIII e IX, bem como as agências reguladoras criadas a partir da sua vigência (parágrafo único, art. 2º).

Um dos princípios relevantes para a regulação de qualquer setor é o da independência regulatória. No caso da Antaq, por exemplo, como mencionado, a mesma foi criada pela Lei Federal nº 10.233/2001, pois é relevante para a sua independência, tendo em vista que, se fosse criada por decreto, haveria maior possibilidade de pressão do Poder Executivo para alteração.

Sobre essa garantia, a Lei Geral assim trata do tema: Art. 3º A natureza especial conferida à agência reguladora é caracterizada pela ausência de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e pela investidura a termo de seus dirigentes e estabilidade durante os mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei ou de leis específicas voltadas à sua implementação. (...) § 2º A autonomia administrativa da agência reguladora é caracterizada pelas seguintes competências: I - solicitar diretamente ao Ministério da Economia: a) autorização para a realização de concursos públicos; b) provimento dos cargos autorizados em lei para seu quadro de pessoal, observada a disponibilidade orçamentária; c) alterações no respectivo quadro de pessoal, fundamentadas em estudos de dimensionamento, bem como alterações nos planos de carreira de seus servidores; II - conceder diárias e passagens em deslocamentos nacionais e internacionais e autorizar afastamentos do País a servidores da agência; III - celebrar contratos administrativos e prorrogar contratos em vigor relativos a atividades de custeio, independentemente do valor.

Destaca-se a exigência da criação de um programa de compliance para a promoção de medidas e ações institucionais destinadas à combater a captura regulatória, nos termos do art. 3º, § 3º , a seguir: § 3º As agências reguladoras devem adotar práticas de gestão de riscos e de controle interno e elaborar e divulgar programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção.

A Lei Geral das Agências tratou também do processo decisório, no sentido de ampliar o grau de tecnicidade das duas decisões através do uso da Análise de Impacto Regulatório e das audiências públicas.

Particularmente relevante para as agências reguladoras é o dever de adequação entre os meios e fins nas suas atividades, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela necessária ao atendimento do interesse público (art. 4º), bem como indicar os pressupostos de fato e de direito que determinarem suas decisões, inclusive a respeito da edição ou não de atos normativos (art. 5º).

Nessa linha destaca-se a exigência de AIR para a adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados, através de regulamento, conforme o art. 6, da Lei Geral, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo.

A exigência por melhor qualidade na regulação em todo o mundo, especialmente a partir nos anos 80, principalmente nos países desenvolvidos como Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá, fez com que a Análise de Impacto Regulatório (AIR) fosse apresentada como uma ferramenta importante. Para a Organização para o Crescimento e o Desenvolvimento Econômico – OCDE, a AIR é um instrumento e também um processo para informar os agentes sobre a decisão de regular e como fazer isso para atingir os objetivos de políticas públicas ou de iniciativas regulatórias (OCDE, Regulatory Impact Analysis).

O objetivo da AIR é aumentar o horizonte do regulador e tornar mais claros os fatores que influenciam a tomada de decisão. De forma implícita, a AIR dificulta a missão do regulador, na medida em que o foco é deslocado da busca desenfreada da solução de um problema específico para um modo de pensar que leva em consideração o equilíbrio entre os problemas, vis a vis objetivos econômicos relacionados à distribuição de riqueza e bem-estar social.

Conclusão

Não há mais espaço no Brasil para que se faça regulação sem Análise de Impacto Regulatório (AIR), especialmente em serviços de transporte marítimo e portuário, um setor de indústria de rede com forte componente transnacional.

A regulação da infraestrutura do país não pode depender de improvisos, achismos ou somente com o resultado das contribuições feitas em audiências públicas, porque essa atecnia afasta investimentos e quebra empresas. Há contratos celebrados, com previsões de receitas,

que demandaram investimentos bilionários, que podem ser simplesmente perdidos, por falhas regulatórias que podem gerar decisões equivocadas e distorcidas.

Por fim, acredita-se que a Lei Geral das Agências contribuirá sobremaneira para a mudança de paradigma na regulação setorial dos transportes, pondo fim ou reduzindo a força destrutiva da velha política que faz com que a infraestrutura marítima e portuária do Brasil seja uma das piores do mundo, segundo dados de organismos internacionais como o Fórum Econômico Mundial.

Essa (des)governança tem imposto custos e externalidades negativas aos prestadores de serviços que lutam por um capitalismo mais saudável, embora alguns empresários só desejem concorrência para os concorrentes, e usuários que não contribuem para destravar as forças vivas da nossa economia. Ambos culpam o governo pelos seus custos, mas atacam o sintoma e não a causa, que é decorrente da sua passiva e ignorância.

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Guia básico para destruição do desenvolvimento portuário de um país

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