Segunda, 29 Abril 2024

Tribuna do Planalto – Costuma-se dizer que a ópera não é para muitos. Verdade?

José Carlos Neves – A ópera nasceu no meio aristocrático, assim como as demais formas musicais. Ao longo do século 19 ela foi penetrando nas camadas populares, notadamente na Itália, onde teve um desenvolvimento muito grande. Vide a popularidade de um Rossini, Donizetti e Verdi. Ela tem tudo para ser do agrado geral: drama, comédia, música, teatro. É do agrado geral nos países do primeiro mundo. Ao longo de sua história quase sempre dependeu da proteção do Estado e do mecenato. Ainda hoje é assim, quando o custo das produções tem-se mostrado muito alto. Se uma casa de ópera não tem uma compensação do Estado, dificilmente o preço do ingresso pode ser mais baixo, o que restringe o acesso às camadas de maior poder aquisitivo. Vide o preço de ingressos do Metropolitan, por exemplo. Produções muito luxuosas são quase proibitivas, atualmente, o que leva à opção por produções minimalistas, que reduzem os custos, embora nem sempre sejam de agrado geral... Entre nós, teve um papel muito importante no meio musical do Rio de Janeiro, principalmente, durante a monarquia. A República não lhe foi muito simpática, como à música de modo geral. Assim mesmo, Rio de Janeiro e São Paulo se constituíram em centros operísticos importantes, na primeira metade do século passado. Deveria ser para muitos, como já salientei, pois é o espetáculo por excelência. Se não é, deve-se a três fatores: deficiência de educação musical, má gerenciamento dos teatros e falta de apoio de grandes empresas ou mecenas.

A boa arte é aquela que é direcionada apenas para alguns e não para todos. Preconceito de alguns frankfurtianos?
Não concordo, todos têm condição de apreciar a arte de modo geral. Se há deficiência nesse aspecto é uma questão de falta de oportunidade e de falha na educação básica oferecida pelas escolas, quer privadas ou públicas. Eu fui professor de história em escolas de ensino fundamental da periferia de São Paulo durante alguns anos, sempre reservando um espaço para a música clássica com boa receptividade dos alunos, que a desconheciam por completo.

Maniqueísmo muito comum no meio diz que, ao ouvir uma ópera pela primeira vez, a pessoa ama ou odeia. É por aí mesmo?
Também não concordo. Depende do que a pessoa ouvirá pela primeira vez. Existem obras mais densas que não são as mais recomendáveis para uma primeira vez. Leve alguém que nada conheça para assistir a uma La Bohème ou La Traviata, por exemplo. Dificilmente ela não gostará.

O poder público sabe o real valor de uma ópera?
Entre nós, de modo geral não. A política partidária atrapalha muito quando os teatros não possuem um mínimo de autonomia.

Goiás já teve até oito óperas por mês. Rio de Janeiro e São Paulo mais do que isso. Por que hoje isso não ocorre?
Há vários fatores responsáveis: ausência de recursos estatais devido a problemas econômicos; o câmbio desfavorável nos últimos anos; gerenciamento inadequado dos teatros, uma vez que as temporadas, de modo geral, passaram a ser bancadas pela administração pública e não pelos empresários de ópera, como no passado. Até hoje não foi possível uma ação conjunta entre os teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo para a realização de co-produções, tão comuns em outras partes do mundo, e que tanto barateiam-nas.

Qual a opinião do sr. sobre a ópera-rock, inventada pelo guitarrista do grupo The Who, Peter Towshend, e que foi levada adiante por Andrew Lloyd Webber?
Ela tem muitos apreciadores. Não é o meu caso. Acredito que está mais próxima dos musicais da Broadway do que da ópera de modo geral.

Carla Camurati fez a versão cinematográfica da ópera cômica La Serva Padrona, de Giovanni Battista Pergolesi. Está aprovada?
Os amantes de ópera não apreciam, de modo geral, a ópera filmada. Sem dúvida, é uma forma de popularização da ópera, resultando, algumas vezes, em bons trabalhos como aqueles realizados pelo falecido Jean Pierre Ponnelle, um dos melhores diretores de ópera da segunda metade do século passado. Embora haja acertos, nada como a ópera no palco. Hoje em dia, nos teatros mais modernos, os recursos que se oferecem para a filmagem fazem com que ao assistirmos um vídeo de ópera, tenhamos a impressão de que estamos assistindo a um filme.

As óperas geralmente são cantadas na língua em que foram compostas. É coisa de purista dizer que ‘ópera que é ópera’ só pode ser cantada na língua italiana?
Sou daqueles que apreciam ópera na língua de origem. Dificilmente uma transposição me agrada, embora reconheça alguma compensação didática na transposição do libreto para a língua nacional. A experiência londrina é muito interessante. Há o Covent Garden, onde as óperas são cantadas na língua original e a National English Opera (ENO), onde elas são dadas em inglês. Ambas as casas têm bom público, por sinal.

A ópera russa foi a única que se dividiu claramente entre cosmopolitas (Tchaikóvski) e nacionalistas (o Grupo dos Cinco)? Se sim, por que isso?
Não creio ser correta essa afirmação. Não houve essa dicotomia, mesmo os chamados "cosmopolitas", dos quais Tchaikóvsky foi o maior expoente, escreveram música solidamente assentada em raízes nacionais. Ele mesmo manifestou-se inúmeras vezes contra essa pretensa dicotomia. Ocorre que o momento histórico era propício ao desabrochar do nacionalismo musical na Rússia, onde havia dois grandes centros musicais, o de Moscou e o de São Petersburgo, sendo que no primeiro pontificavam os irmãos Rubinstein, que lá se instalaram após uma sólida carreira musical na Europa. Dessa forma, estavam por dentro de tudo o que havia de mais "moderno" em matéria de música na época. Em Moscou deu-se a formação musical de Tchaikóvsky, portanto, recebeu uma forte influência da música ocidental que somou à raiz nacional para produzir o que de melhor há em matéria de música russa, na segunda metade do século 19, evidentemente.

Impossível não perguntar: quem é o maior compositor de ópera de todos os tempos? Mozart, Verdi, Wagner, Richard Strauss, Carlos Gomes...?
Difícil uma resposta. Em matéria de música européia esses quatro nomes são grandes expoentes. Cada um deles, à sua época, produziu uma sólida obra, que muito contribuiu para a evolução do gênero. Carlos Gomes, indubitavelmente, é o grande nome nacional na ópera.

É possível analisar os caminhos que a ópera contemporânea está seguindo?
Há uma produção grande, principalmente nos Estados Unidos, com razoável sucesso, porém, não acredito que venha a ter a perenidade das grandes obras do passado.


Qual tipo de ópera agrada mais ao senhor? Ópera bufa, ópera comique, ópera séria ou grand ópera?
Por temperamento, aproximo-me mais da ópera séria, embora aprecie muito as óperas bufas cômicas de Mozart, Rossini e Donizeti.

Apesar do pouco espaço disponível, muitas pessoas ainda sonham em ser cantor de ópera. Não é frustrante ver uma pessoa com uma formação musical de primeira linha e grande capacidade de memorização sem espaço no cenário brasileiro? O melhor caminho é mesmo o aeroporto?
Foi assim no passado e continua a sê-lo hoje. A oportunidade é obtida no cenário europeu principalmente. Vide os exemplos de Bidu Sayão, Constantina Araújo e Eliane Coelho. Mesmo alguns grandes nomes norte-americanos só obtiveram reconhecimento internamente após terem feito carreira na Europa: Cheryl Studer, Thomas Hampson, Renée Fleming.
No Brasil, ainda há o agravante das fragéis temporadas locais, praticamente restritas a São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Belém.

 

Entrevista realizada e publicada pelo Jornal Tribuna do Planalto (www.tribunadoplanalto.com.br), gentilmente cedida ao site Porto Gente.

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