Quarta, 01 Mai 2024

I

O Porto Literário da semana passada (O bairro portuário do Macuco e o mito de El Dorado) tratou da tradução para o espanhol de Navios Iluminados, um romance cujo enredo se realiza em torno do porto de Santos. Por meio da atividade do tradutor Benjamín de Garay, argentino que apresentou uma série de romances brasileiros ao público argentino, pode-se realizar uma história da circulação de livros e obras entre o Brasil e nosso vizinho mais querido (sem ironias).

 

A lembrança do texto anterior é para anotar um lançamento que trata a literatura em conjunto entre os dois países por meio da literatura comparada. É o livro Semear Horizontes, de Gabriela Pellegrino Soares, resenhado para o Caderno 2 do Estadão deste domingo (25) pelo professor Elias Thomé Saliba. A obra trata da produção e da difusão da literatura infantil nos dois países na primeira metade do século XX.

 

Outro livro, este mais geral, que traça as relações históricas entre as duas nações é Brasil e Argentina – Um Ensaio de História Comparada, de 2005, escrito pelo brasileiro Boris Fausto e pelo argentino Fernando J. Devoto.

 

Que venham mais livros que contribuam para o fortalecimento dos laços e para o entendimento de nossos caminhos sul-americanos.

 

II

Li apenas um livro de João Guimarães Rosa em toda minha vida, e já tem muito tempo. Foi no colegial, mais ou menos em 1989, quando meu grupo teve que estudar o Sagarana, a primeira obra do autor, publicada em 1946. Das histórias pouco lembro e nunca voltei a elas, mas foi Sagarana, ao lado de O cortiço, de Aloísio Azevedo, lido nas mesmas condições, que me fortaleceu o gosto pela literatura.

 

Chego agora, finalmente, já beirando os 35 anos, à sua obra-prima, Grande Sertão: Veredas, cujo cinqüentenário foi comemorado neste 2007 que vai se acabando. A efeméride contou com dois lançamentos: uma caixa de luxo, publicada pela Nova Fronteira no início do ano com o livro, um CD com imagens e sons do sertão e o catálogo da exposição Grande Sertão: Veredas, de Bia Lessa, montada para a inauguração do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, em março de 2006. Agora no final do ano saiu uma versão reduzida da caixa, em que o material em torno da obra propriamente dita se resume ao catálogo.

 

O paratexto, como Umberto Eco chama os textos que estão no livro mas não fazem parte da história (orelhas, prefácios, notas...), traz uma nota do editor informando sobre a atualização ortográfica promovida em 1971 e os problemas que ela trouxe para a atualização do vocabulário criado pelo autor e as soluções encontradas pela equipe que trabalhou no livro; uma apresentação de Paulo Rónai e uma cópia fac-similar do poema Um chamado João, de Carlos Drummond de Andrade, publicado no Correio da Manhã em 22 de novembro de 1967, três dias após a morte de Rosa.

 

III

Lógico que qualquer livro bom sobrevive sem os paratextos, ainda mais um clássico como o Grande Sertão: Veredas, mas eles, quando bem feitos, oferecem um material delicioso.

 

Um exemplo é o relato de viagem do inglês Anthony Knivet, que foi deixado em 1591 no que seria o Brasil pelo pirata Thomas Cavendish e aqui teve que se virar entre “índios canibais e colonos selvagens”. Publicado em 2007 pela Jorge Zahar Editor com o título As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony Knivet, a obra traz notas sobre a edição e a tradução (a cargo da especialista em literatura inglesa do Renascimento, Vivien Kogut Lessa de Sá, professora de Letras da PUC-Rio), mapas e uma introdução de Sheila Moura Hue, também da PUC-Rio e coordenadora do Núcleo “Manuscritos e Autógrafos” do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro. Foi ela que organizou o material. É o tipo de trabalho que permite ao leitor de hoje entender pesos, medidas, caminhos e expressões do século XVII, apesar do “vocabulário notavelmente simples e a narrativa despojada de qualquer pretensão literária”, na expressão da tradutora.

 

 

Reprodução da capa de nova edição do

relato do aventureiro inglês

 

Esse é o mesmo cuidado que teve a Editora Terceiro Nome ao publicar o relato de viagem de Hans Staden, alemão que chegou ao litoral “brasileiro” um pouco antes de Knivet, em 1549, a serviço de Portugal. O livro traz um texto de Fernando A. Novaes, O “Brasil” de Hans Staden, uma apresentação dos editores em que se mostra que o livro teve no Brasil “sucessivas traduções, mas nenhuma, até há pouco, que retratasse a linguagem coloquial do aventureiro alemão ou feita no português corrente neste final de século” e, para completar, cópias das gravuras fotografadas da primeira edição, de 1557, tiradas de um exemplar do bibliófilo José Mindlin, responsável pela publicação também de outro relato de viagem, o Diário de uma viagem da baía de Botafogo à cidade de São Paulo (1810), do também inglês Willian Henry May.

 

Nas próximas semanas, Porto Literário tratará do conteúdo dos dois relatos.

 

Epílogo

Na edição mais recente do Terceiras Terças (20/11), projeto do Sesc e da Livraria Realejo que traz um escritor por mês a Santos, tive a oportunidade de perguntar ao crítico cultural Marcelo Coelho, da Folha de São Paulo, o que ele achava da radicalização cada vez mais acentuada e sem propósitos entre petistas e tucanos, já que as semelhanças dos governos do PSDB e PT são mais robustas que as diferenças (o que eu acho uma pena).

 

Fiz minha pergunta tendo em mente a quantidade absurda de blogs, colunistas e reportagens que forçam um embate entre os dois partidos que as realizações de cada um na presidência da República desmentem.

 

Para ele, por fazerem as mesmas coisas, os dois partidos acabam travando uma luta que se dá em outro patamar que não é o da administração do Estado, é o da cultura política, isto é, ainda que se repitam, eles lutam pelo espólio do que sobrou do pensamento de esquerda. Sem diferenças significativas a mostrar, cabe aos partidos e seus apoiadores na imprensa espernear e gritar – e aí vemos aquele jorro de expressões que acabam empobrecendo o debate político.

 

Em tempo: acredito que a possível emenda para o terceiro mandato de Lula irá fragilizar a ainda jovem democracia brasileira tanto quanto ela acabou sendo fragilizada pela aprovação da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Cabe ao Congresso não repetir o erro.

 

Referências:

Elias Thomé Saliba. Brasil, Argentina e seus leitores. Caderno 2: Estado de S. Paulo, 25/11/2007.  

Gabriela Pellegrino Soares. Semear leitores. Uma história da formação de leitores na Argentina e no Brasil. 1915-1954. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

Boris Fausto e Fernando J. Devoto. Brasil e Argentina: Um Ensaio de História Comparada. São Paulo: Editora 34, 2005.

Anthony Knivet. As incríveis aventuras e estranhos infortúnios de Anthony Knivet. Memórias de um aventureira inglês que em 1591 saiu de seu país com o pirata Thomas Cavendish e foi abandonado no Brasil, entre índios canibais e colonos selvagens. Organização, introdução e notas de Sheila Moura Hue. Tradução de Vivien Kogut Lessa de Sá. Mapas de Teodoro Sampaio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.

Hans Staden. Primeiro registros escritos e ilustrados sobre o Brasil e seus habitantes. Tradução de Angel Bojadsen. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 1999.

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