Sexta, 17 Mai 2024

Completamente influenciado pelo mal estar da gripe, escrevo hoje uma coluna azeda, de mau humor, ótimo estado para lembrar que o centenário do livro Poemas e canções, de Vicente de Carvalho, passou e nenhuma editora republicou a obra de 1908 que traz ainda um prefácio de Euclides de Cunha.

 

Embora a obra de Vicente de Carvalho tenha abrangência nacional, ainda mais com o estudo do autor de Os sertões, as editoras locais deixaram passar uma boa oportunidade, tanto as ligadas a universidades (Unisanta, Leopoldianum) quanto a comercial Realejo, sem contar a Prefeitura de Santos, cuja tradição de publicar autores de ficção e de História foi deixada de lado nos últimos anos (a editora Martins Fontes, com suas raízes na cidade, poderia também ter publicado uma nova edição do livro).

 

Ficam aqui os parabéns para o site Artefato Cultural, dirigido por Cristiane Carvalho, que tem publicado trechos do livro. Além da iniciativa de Cristiane, A Tribuna fez uma reportagem sobre o centenário da obra e este Porto Literário se voltou também ao assunto (A atualidade de Vicente de Carvalho e de seus poemas e canções e Euclides da Cunha, o autor de Os Sertões, encontra Vicente de Carvalho, o poeta do mar).

 

O fim do baile

A seção de cartas de A Tribuna tem repercutido artigo do professor Alfredo Cordella (O baile da cidade e os preferidos) publicado no jornal em 02 de janeiro no qual elogia a prefeitura por ter acabado com o Baile da Cidade, aquela monstruosidade cafona. Cordella aponta em seu texto que a realização do baile remarca as diferenças na sociedade brasileira e alguns leitores do jornal, em resposta, o mandaram para Cuba.

 

Essa imagem de baile que ressalta as diferenças sociais é uma das cenas mais fortes do romance de identidade portuária Navios Iluminados, obra de 1937 escrita por Ranulpho Prata e muitas vezes já tratada neste espaço (a edição mais recente, por ironia, foi justamente feita pela prefeitura em 1996). Estamos no final do livro, e o protagonista, José Severino de Jesus, está internado no pavilhão de tuberculosos da Santa Casa de Santos, de onde ouve a algazarra do cassino do Monte Serrat:

 

Ao lado do pavilhão, o Monte Serrat, com a sua ferida no flanco e o cassino trepado no cocuruto, tapando a vista da velha igrejinha que Severino tanto queria olhar, sabedor de seus milagres. À noite, o ruído e a música do cassino, pingando luz pelos beirais e cornijas, incomodavam demais. Aos sábados, então, quando a folia se prolongava até a madrugada, ele, insone como a maioria dos doentes, escutava o barulho grosso da vida gozada que vinha lá de cima nas asas do vento.

 

Nada como uma escrita seca como a de Ranulpho Prata para qualificar esse tipo de evento: “barulho grosso”.

 

Um outro baile é possível...

  

Referências

Ranulpho Prata. Navios Iluminados (1ª edição 1937). Santos: Editora Scritta e Prefeitura Municipal de Santos, 1996.

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