Quinta, 18 Abril 2024

Bussinger 03MAI2016

Privatizar tudo que for possível”
[Diretriz do Programa-Temer]

“O documento que servirá de base a um eventual governo Michel Temer, e que deve ser divulgado na próxima (esta) semana, afirma que, na infraestrutura, ‘tudo’ o que for possível deve ser concedido ou privatizado: O Estado deve transferir para o setor privado tudo o que for possível em matéria de infraestrutura. Quanto às competências que reservará para si, é indispensável que suas relações com contratantes privados sejam reguladas por uma legislação nova, inclusive por uma nova lei de licitações. É necessário um novo começo das relações do Estado com as empresas privadas que lhe prestam serviços” (OG – 29/ABR/2016).

Com diferentes ênfases e sucessos, planos, programas e diretrizes similares têm estado presentes nos governos, pelo menos das últimas 3 décadas: é atribuído a Sarney o início da inflexão; Collor instituiu o Programa Nacional de Desestatização – PND (Lei nº 8.031/90), arrolou 68 empresas no programa e concluiu 18 processos; Itamar efetivou a desestatização de algumas empresas-marco, como a CSN, Açominas, Cosipa, Embraer e subsidiárias da Petrobras, bem como retomou concessões rodoviárias (Ponte Rio-Niterói, Dutra, etc.). FHC deu impulso ao processo, vendendo a Vale (uma das maiores estatais) e alargando o leque das concessões para incluir malhas ferroviárias, terminais portuários, concessionárias de energia e de telecomunicações. Depois de patinar nas tentativas iniciais, Lula logrou conceder 7 trechos rodoviários (2,6 mil km), algumas geradoras e linhas de transmissão, campos da bacia de petróleo do Pré-Sal e vendeu alguns bancos. Dilma lançou dois ambiciosos “Programas de Investimento em Logística – PIL”, o último deles em meados de 2015, envolvendo rodovias, ferrovias, portos e aeroportos: concluiu a concessão de alguns aeroportos e trecho da FNS; mas uma parte importante da pauta seguiu intacta; devendo, agora, ser legada ao eventual Governo-Temer.

De uma maneira geral, ao longo de todo esse período, o efetivamente consumado foi, apenas, uma parcela do anunciado pelos governos. E, mesmo, aquém do desejado ou do planejado.

Por que?

Há quase uma unanimidade sobre que os tempos sombrios da economia brasileira ainda devem durar vários meses (ou anos, para alguns!). Mas, em paralelo, analistas avaliam e o chamado mercado emite sinais de que a troca de comando da Presidência da República pode/deve trazer mais confiança a investidores; e, assim, melhorar o ambiente e as perspectivas para os programas de concessões e PPPs. No setor de infraestrutura de transportes, em particular; base para o desenvolvimento de mobilidade e logística.

Nesse afã, intenção, determinação... é imprescindível! É necessário; mas pode não ser suficiente!

Examinar as experiências e o legado do passado pode ajudar não só a antever percalços no caminho das privatizações como, principalmente, na preparação de como enfrentá-los nessa nova etapa do programa. P.ex. (sem preocupação hierárquica ou no ser exaustivo):

1) O “filet mignon”, em praticamente todos os setores, já foi vendido ou concedido. O remanescente, como decorrência, deve ter menor atratividade intrínseca.

2) Os ativos mais significativos e a maior parte dos projetos/empreendimentos “brown-field” já foram transferidos. Assim, a proporção dos “green-field” deve ser maior que nas etapas anteriores. Com isso, é de se prever, os investimentos necessários (CAPEX) devem ser relativamente maiores... uma dificuldade ante a escassez de recursos disponíveis para financiamentos; mormente nas agências públicas.

3) Além disso, em um ambiente de alta taxa de juros, de câmbio e de riscos (em elevação no passado recente!), é como se o sarrafo tivesse subido (numa analogia olímpica ao salto com vara). Ou seja: muitos projetos/empreendimentos, viáveis há 2, 3, 5 anos atrás, acabaram deixando de sê-lo. Dito de outra forma, já não mais “ficam em pé”!

4) Uma forma de “melhorar” os indicadores é diferir os investimentos; procurando postergar o que não for imprescindível ser feito nos primeiros anos – o que pode, inclusive, reduzir temporariamente também o OPEX: Foi a discussão que há pouco teve lugar (com parcial sucesso!) sobre a modelagem da concessão da “Rodovia do Frango” (BR - 476/153/282/480 /PR/SC).

5) Mesmo para aqueles projetos/empreendimentos “ainda” viáveis, demandas de prefeituras, estados, ONGs e, mesmo, segmentos independentes da sociedade, a título de “mitigação” ou “compensação” (mais frequentes nos “green-fields”), dependendo do volume, podem desequilibrar a balança da viabilidade.

6) O CAPEX pode ser compartilhado e, assim, ser relativamente “reduzido” por meio das chamadas “receitas acessórias”. Estas, conhecidas e consideradas já desde as primeiras concessões ferroviárias brasileiras, no Século XIX, e parte integrante de sistemas de mobilidade e logística mundo afora atualmente, no Brasil voltaram a engatinhar. Mas vão se tornando praticamente imprescindíveis, no caso do transporte público de passageiros, p.ex., as denominadas “land value capture” (taxação sobre a valorização de terrenos próximos a infraestruturas de transporte) (01, 02, 03, 04, 05) – um tipo da nossa “contribuição de melhoria” (02).

7) Ao menos no futuro próximo, muito provavelmente as outorgas devem se limitar às concessões (“por-conta-e-risco”). PPPs, por demandarem contraprestações (aportes de recursos) e, mesmo, garantias dos Poderes Públicos (nesse momento com dificuldades até para honrarem pagamentos de salários02, 03, 04, 05), só devem ser viáveis nos casos de serviços públicos pré-existentes (mormente os com elevadas taxas de perdas, furtos, ociosidades e/ou ineficiências): os recursos atualmente já despendidos na prestação direta seriam utilizados para bancar as tais contraprestações. Ou seja: as despesas orçamentárias não cresceriam significativamente, seriam mantidas ou, até, poderiam experimentar reduções.

8) Nos primórdios, as privatizações eram praticamente conduzidas pelo poder executivo. Com o passar do tempo, novos atores passaram a atuar no processo decisório e compartilhar poderes: licenciadores ambientais, agências reguladoras, tribunais de contas, ministérios públicos e, claro, os entes financiadores (vez que o capital próprio, mormente em projetos/empreendimentos “green-field”, em geral representam não mais que 30%, 20% e, por vezes, 10% da estrutura do “funding” necessário!).

9) Surpresa? Ao contrário do que normalmente se crê (porque não claramente difundido/explicado), o envolvimento de empresas privadas nas infraestruturas e serviços públicos é menos pelo capital próprio que elas acabam aportando e, mais, pela combinação das capacidades gerencial com a de alavancar financiamentos para os projetos/empreendimentos.

10) Além do aumento do número de atores, processos decisórios centralizados também têm sido apontados como responsáveis pelo aumento da impedância e, até, travamento dos processos de concessões e PPPs. No caso dos portos isso parece ser, hoje, avaliação dominante. De uns e outros resulta que o processo decisório foi se tornando mais complexo e menos previsível (quanto a prazos, custos e segurança jurídica).

11) EVTEAs: Em alguns casos enfrentam dificuldades, até para serem elaborados. É o caso, p.ex., da Hidrovia do Tapajós. Mas, mesmo quando aprovados pelos órgãos do executivo ou agências reguladoras, têm de ser submetidos a Raio-X, tomografia, ressonância magnética, e tantos exames que sejam julgados necessários pelos entes financiadores. Estes esquadrinham, com lupas, as anatomias e fisiologias dos projetos/empreendimentos (técnica, operacional, socioambiental, jurídica, governança, compliance, etc.) ... antes de conceder os financiamentos; tarefas que podem demorar vários meses (até ano!).

12) Também nos primórdios o programa envolvia, apenas, a venda de ativos (empresas). Atualmente concessões (incluindo arrendamentos portuários) e PPPs dominam a pauta. Se lá cada processo/contrato era algo praticamente autônomo, e definitivo, nesses casos os contratos têm duração finita (ainda que de médio/longo prazo) e, raramente, são casos isolados: portos dependem de ferrovias; aeroportos de estradas de acesso; hidrelétricas e parques eólicos de linhas de transmissão; e assim por diante. Daí a importância do pensar sistêmico; da visão intermodal ao modelar-se/estruturar-se os projetos/empreendimentos (01, 02); algo que valeria à pena ser reavaliado nas outorgas doravante para se evitar a repetição de insucessos recentes: No caso de portos e da infraestrutura de transportes, em particular. E, de forma mais ampla, um bom roteiro seria o recém-divulgado estudo BNDES/IFC.

13) Ah! Apesar de terem se mostrado instrumentos eficazes, concessões e PPPs não são uma unanimidade. Por um lado, há casos longe de consenso e já enfrentando resistências com fundamentos conceituais/ideológicos, como é o caso do Pré-Sal (01, 02, 03, 04, 05, 06, 07). Por outro, nem sempre a população tem plena consciência de que a infraestrutura ou serviço público a ser provido deixará de ser gratuito; ou, se existente, poderá ter tarifas majoradas: disso muitas vezes resultam resistências. A legitimação do processo junto à sociedade, à população, demanda que a relação benefício/custo da introdução da nova forma de prestação seja transparentemente positiva. E isso não é automático: precisa ser construído!

Entre a teoria e a prática; o querer e o fazer; a intenção e o gesto; há uma distância. Essa poderá ser maior ou menor dependendo do modelo, da estratégia, dos instrumentos, da comunicação, da articulação... que vier a ser utilizada: o “como”, nesse caso, é tão ou até mais importante que o “o que”!

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