Sexta, 26 Abril 2024

Javier Heraud (1942-1963), poeta peruano, publica seu primeiro livro em 1960, O rio, metáfora do percurso humano em que canta em primeira pessoa a travessia de um rio, da nascente ao mar. É dele também uma série de poemas em homenagem à estação do outono. O tema das chegadas e partidas, de pessoas, de rios e de estações, atravessa sua obra poética, concentrada em seus últimos quatro anos de vida. No ano seguinte mesmo ano da estreia, ele publicaria quatro livros, entre eles Viagens imaginárias, título autoexplicativo, que acrescenta um novo tipo de viagem a seus temas. A tradução é do Porto Literário.

 

Explicação
Voltei a ser o mesmo de antes. Aquele que cantava nas janelas, que se regozijava com as chuvas, que admirava as árvores quando caíam em pleno outono.

Eu, que esperava ansiosamente a aparição do outono, eu, que saía a maldizer o verão, logo com os primeiros frios fiquei paralisado. Não sei como explicar. Acontece que cadeiras caíam e eu nem aí; os pássaros passavam em direção ao sul e eu sem notar; as pessoas entravam no cinema, saíam da igreja, riam nos circos e eu aleijado, sem estar com eles como sempre.

E agora, que estou sentado na porta do inverno, compreendo que não foi um tempo perdido. Estive em outros lugares, caminhei por outras praças, outras areias pisei, vi outras árvores, me detive na ruína de outros tempos.

E em vez de procurar um tempo não perdido, contarei viagens não sucedidas, viagens imaginárias. 

 

Uma delas é a Viagem pelas praias desertas:

 

Eu não tinha desejado, mas me deixaram sozinho nas praias. Oito dias que vaguei incessantemente pelas areias que eu não tinha sonhado. Me aturdia o rumor do mar, e a cada noite, quando a água penetrava até a metade da caverna em que me encontrava, sentia infinitos desejos de voltar, de me encontrar em casa, com meus amigos e minhas coisas.

Como dizia, a cada noite o mar soava como um enorme berrante anunciando a guerra. Eu não sabia onde ir, em que outra caverna me meter. A manhã me encontrava dormindo profundamente sobre o leito que havia construído com conchas.

A alimentação foi o de menos. Um caranguejo, ou os pequenos peixes que podiam ser pegos perto da margem. Acreditei que nunca iria poder voltar, mas um dia, inesperadamente, me encontraram perto da caverna. Eu regressei contente de poder beijar novamente o rosto tão conhecido de minha cidade.

 

Referência

Javier Heraud. Explicación e Viaje por las playas desiertas. In: Viajes imaginarios. In: Poesía reunida. Lima (Peru): Peisa, 2010.

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