Sexta, 26 Abril 2024

Dentro da coleção Melhores Poemas, a editora Global traz de volta às estantes das livrarias os poemas de Ribeiro Couto, reunidos pelo pesquisador José Almino, da Fundação Casa de Rui Barbosa, responsável também pela apresentação da obra do poeta, contista e embaixador nascido em Santos.

Apesar da temática, da ironia e da coloquialidade modernistas, José Almino destaca que Couto preferiu o lirismo das paisagens à poética do movimento deflagrado pela Semana de Arte Moderna de 1922: “o poema-piada, a celebração da vida urbana, da velocidade, uma auto-satisfacão ufanista diante da cultura e da linguagem popular, vividas por alguns modernos como fonte de inspiração e matéria-prima privilegiada para a criação literária”.

Esse lirismo de Ribeiro Couto se desenrola por meio de duas imagens principais: a chuva e os dias cinzentos, que garantem o tom de melancolia não importa em qual fase de produção desse poeta nascido nesta cidade de muita garoa, chuvas de verão e dias acinzentados, uma melancolia que se repete em cada cidade que o poeta conhece, tanto como viajante sentimental quanto embaixador, como vemos em Invocação do Porto Natal:

O porto em que nasci! Era eu menino
Quando uma vez me viste, olhos no mar,
Pedir ao mar incerto o meu destino.

O mar ouviu-me. Meu destino é errar.
Por onde eu vá, seguindo esse destino,
Entre eu e minha mãe existe o mar.

Enfim, se o barco em que eu voltar um dia
Deva ir ao fundo, que suceda tal
Em frente ao porto a que eu tão bem queria.

E que meu corpo inerte, no balanço
Da onda encontrando o embalo maternal,
Possa no mesmo porto achar descanso.

Essa é a melancolia que Couto leva a qualquer outra cidade ou país objeto de seus poemas. Vejamos:

Recife: “Não és Veneza, ingênuo Recife dos rios inquietos/Não és Veneza, nem tuas casas (oh, quantas cores!)”.

Rio de Janeiro: “E no peito de todos um confuso entusiasmo de felicidade”.

São Paulo: “Pensa agora um momento naquele pobre padre,/Há quatrocentos anos, nestas mesmas colinas,/Sozinho, perdido entre as ínvias florestas,/Iniciando em Deus os bugres desconfiados/E fundando o espírito de tudo que vês.”

São Vicente: “Agora, nas praias que os coqueiros ainda enfeitam,/Os bangalôs dos engenheiros ingleses/Dormem no calor da tarde.”

Suíça: “Afonso, ela á tão calma e branca, esta Suíça!/Dá vontade de ser pastor nas suas montanhas./No entanto eu sei que no teu peito (e no meu peito)/Sua mão de enfermeira é fria, é fria.”

Nova Iorque: “Os buildings, à noite, são altos de morro,/Janelas sem sono de nações perdidas,/Queimando exiladas nas negras alturas.”

França: “É domingo de sol neste burgo de França./ Século XIII. O carrilhão chamando à missa.”

Nem falamos da série Chão antigo, com poemas sobre terras portuguesas:

Alentejo: “É tudo chuva, é tudo rio./Nadando vão outros rebanhos./Fidalgos do reino algarvio/Oferecem barcos estranhos./Aquele é o Infante Dom Henrique,/Pelo chapéu o reconhece:/Em Sagres, no rochedo a pique,/Interroga o mar que escurece.”

Um dos mais conceituados críticos literários do Brasil, Wilson Martins, escreveu que a sensibilidade de Couto foi formada, desde o início, “entre a saudade da casa paterna e a solicitação do mundo”.

É assim, entre o porto natal e os portos da vida, que Ribeiro Couto canta sua melancolia na estrofe final de Lamentação do Caiçara:

O bem esperado ainda hoje o não tenho,
Mas pelo mundo andei e até me perdi.
Agora, a um outro cais é que cismar eu venho
E fica noutro mar o porto em que nasci.
Irão até ele estas ondas que passam ligeiras?
Levarão meu corpo a uma praia com palmeiras?
Se levarem, posso morrer aqui.

A coletânea reúne poemas das obras O jardim das confidências (1915-1919), Poemetos de ternura e de melancolia (1919-1922), Um homem na multidão (1921-1924), Canções de amor (1922-1925), Província (1926-1928), Noroeste e outros poemas do Brasil (1926-1932), Cancioneiro de Dom Afonso (1932-1939), Cancioneiro do ausente (1932-1943), Entre mar e rio (1943-1946) e Longe (poemas reunidos em 1961).

Referências:
Ribeiro Couto. Coleção Melhores Poemas. Seleção de José Almino. São Paulo: Global, 2002.

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